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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

CONTAÇÃO DO PRETO-VÉIO NOVO BAIXANDO ALTERIDADES DELE. Adrian'dos Delima.

Um poema para lembrar como anda a igualdade no Brasil.



CONTAÇÃO DO PRETO-VÉIO NOVO 
     BAIXANDO ALTERIDADES DELE




nêgo laércio tinha
banheiro à luz da lua
e comia com paus
no potinho de barro
porque dizia melhor era 
prato com piso da própria 
casa mas me deu que tinha um único
talher metálico

o telhado chega um ano
que fica pronto
e trabalhando na construção
dos outros
os analfalínguas que feito surdos
falava três línguas e comia em silêncio
entre nós como entre todos

deixou no passado largada
a pintura em telas e dava
demãos em
paredes

ficou
de mão com dedos
entrecruzados em um joelho sobre outro

nos olhou com ar de quem
vê dois ninguéns de pobre saber da vida



Adrian'dos Delima.




27 10 2012





sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O TEXTO LITERÁRIO (bem como o poético) COMO METÁFORA DO MUNDO, por Adrian'dos Delima.


 
O TEXTO LITERÁRIO (bem como o poético) COMO METÁFORA DO MUNDO




       1. METÁFORA NA LÍNGUA E NA LITERATURLÍNGUA












Já se tornou tema bastante comum discutir o texto literário como “metáfora do mundo”. Gostamos, no entanto, de falar sobre literatura (e, eu, particularmente, sobre poesia ou apenas “artes poéticas”, apesar do uso que Manuel Bandeira faz da expressão – mais ou menos que de um conceito – no poema conhe e reconhecidíssimo, além de um uníssono em loas, “Os Sapos”). Por este mero gosto (isto é somente literatura, but I like it) e porque todo instrumento que supostamente nos permita conhecer o mundo sem ter que sair do lugar é útil entre tantos outros. Pra viajar no cosmos não precisa gasolina, como escreveu um compositor do dito gaúcho Rio Grande, Nei Lisboa; e se você quer ir à cidade de São Paulo hoje, o melhor avião é ouvir ou ler as letra de um certo Criolo. Talvez, isto não seja exatamente poesia, menos ainda literatura, diremos nós que queremos manter a distinção entre poesia e letra de música, porém os exemplos que citei servem, perfeitamente, aos propósitos deste nosso comentário.

Voltando à metáfora, confesso que a minha arte aproxima-se mais de outros recursos poéticos, outras figuras engrossam mais o “apetrechamento maiakovskiano” que tenho em estoque e que minha indústria (ou agroindústria, ou eco indústria) permite.

Metáfora, note-se, e isso é senso-comum, é igual a uma simples comparação com supressão de termos, engolimos o “como” ou algum aparentado, substituição por meio de analogia. É estudada dentro da estilística, área específica da linguística que estuda os efeitos de sentido na linguagem escrita, oral e literária, como figuras de palavras. No dito simples (objetivista, naturalmente) do EUAense William Carlos Williams, a metáfora dissolve "a individualidade das coisas comparadas”. Perfeito. Precisão de um médico, coisa que Williams era (inclusive cumpridor fiel do juramento de Hipócrates).

Em algum momento chegaremos à ideia de “literatura como metáfora do mundo”. Paciência. Vamos seguindo: a metáfora — tudo depende do que se entenda por metáfora. Jakobson mostrou que, mesmo naqueles poemas de que está aparentemente ausente, ela comparece sob a forma de figuras de gramática, que não deixam de ser procedimentos metafóricos de transladação e intensificação de sentido. (clareando esta engronha aqui com palavras de José Paulo Paes)

 Mas entrando no ponto, já tratando da metáfora literária X metáfora, e ficando no dado e evidente, mas usando a definição de um cara muito exato no que expõe, o que muito agrada quando procuramos partir do indiscutível, Celso Pedro Luft, a metáfora, como a metonímia, são figuras de palavras, e fazem parte da língua que usamos correntemente, e não são prerrogativas da língua literária. Mas é claro... Vejamos:
 Ex.: “A chave da questão...”
chave – solução
A palavra chave não foi usada no sentido habitual, mas por associação de idéias, substituindo “solução”.
Ex.: “Cristiano Palha é uma raposa.”
Ainda seguindo Luft: a metáfora põe em relevo algum aspecto particular da realidade expressa (raposa – astuta, como Palha, personagem de machado em Quincas Borba), superpondo outro termo ao inicialmente proposto (“é uma raposa”, no lugar de “é astuto como uma raposa”). Seu valor na frase é de dar-lhe maior expressividade. A metáfora e a poesia, por assim dizer, estão sempre juntas, no sentido martelado por Pound de que poesia é concentração de sentido, condensação. A metáfora faz a linguagem esparsa chover. Essa chuva é o poético, no sentido poundiano.

Então, há metáforas linguísticas como no exemplo “chave da questão”, em que não se percebe mais vestígio da inovação pessoal.  Algumas metáforas estão tão enraizadas na língua que passam a fazer parte dela (como pé da mesa, outro exemplo). Já as metáforas literárias ou estilísticas apresentam uma intenção deliberada de criar um efeito emocional e estético, como todos os outros recursos estilísticos. Faz chover, como eu dizia.
Sendo assim, a poesia, mais tradicional usuária da metáfora, a arquirrival da publicidade, mais atual e penetrante usuária (e usurária) desta no mundo pós galáxia de Gutenberg (ou neogutenberguiano).

E na literatura em si? No texto literário? Bem, a literatura só pode existir a partir do mundo. O mundo concreto, sensorial é anterior ao texto. A literatura estabelece relação arbitrária (livre) de sentido entre dois seres, aglutinando-os, unindo-os em identidade. Então ela funcionaria como metáfora do mundo: no sentido de que mantêm uma relação arbitrária de sentido entre o texto e o mundo, mas uma relação transformada em semelhança íntima. O texto “faz de conta” que é o mundo.

Sendo a literatura uma arte que abrange o ler, o escrever, o criticar e o ressignificar o mundo e a palavra através da linguagem, da palavra escrita, ela é, segundo nosso simplista e exato Luft, “a arte da palavra”. Daí a importância dos aspectos estéticos. A literatura parte da realidade, mas como toda arte é uma transfiguração do real, em que o artista recria a realidade através da língua.

Sendo assim, é fácil caracterizar o texto literário como metáfora do mundo,  já que, partindo da vivência sensorial, ele discute, nega o estado das coisas, indo além do refletido. Põe em relevo algum aspecto da realidade expressa, ressignificando a experiência. Mistura tudo. A literatura utiliza o mesmo processo da metáfora para ressignificar.

       2. ROMAN JAKOBSON, FREUD E LACAN

Roman Jakobson, no texto "Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia", define a linguagem a partir de duas operações, que presidem todo ato de fala: a seleção e a combinação. Essas operações engendram uma série de procedimentos comuns em todas as línguas:

1. A seleção de palavras e de outras entidades lingüísticas se realiza através de associações feitas por identidade (semelhança) e por oposição (diferença). Essas relações de associação são chamadas de similaridade. Seleção e substituição "são as duas faces de uma mesma operação" (JAKOBSON, s.d., p. 40).

2. A combinação de unidades lingüísticas já selecionadas cria um contexto, estabelecendo um modo de organização, em que a posição de um significante em relação aos outros determina a produção do sentido. Essas relações de concatenação são chamadas de contigüidade. Combinação e contextura "são as duas faces de uma mesma operação".

Essas duas operações de linguagem engendram dois eixos e dois processos:

1. Os eixos do paradigma (seleção / substituição / relações de similaridade) e do sintagma (combinação/ contextura / relações de contigüidade);

A metáfora se produz pelas relações de similaridade assim como a metonímia pelas relações de contigüidade. Tudo isto já faz parte do discurso acadêmico faz muito tempo, e é difícil de contestar, nesse ponto, o pensador batizado como “o poeta da linguística” em ensaio de Haroldo de Campos. Apelido, também, difícil de contestar, senão impossível.

Nosso aliado (dos poetas, principalmente) Jakobson, quase no final do seu artigo, se refere ao trabalho de Freud sobre os sonhos, identificando as relações de contigüidade com a transferência metonímica e com a condensação sinedóquica e as relações de similaridade com a identificação e o simbolismo.

Lacan, interpretando Jakobson, define a metáfora e a metonímia como sentidos figurados, que se originam das operações de substituição (metáfora) e de combinação (metonímia) e estabelece as seguintes correspondências com Freud: a metáfora com a condensação e a metonímia com o deslocamento. (A palavra condensação nos faz lembrar de algum poeta-crítico em especial?)

Para Lacan, ao contrário de Jakobson, não há metáfora sem metonímia e vice-versa. E quando começo a ver a linguagem sob um ponto de vista fenomenológico peirciano, vejo, literalmente, os signos rodando, girando, dançando, e a afirmação de Lacan faz todo sentido para mim. Você nunca sabe quem é ícone, quem é índice e quem é símbolo. Tudo é tudo ao mesmo tempo, dependendo do “leitor”.

O objetivo de Lacan é desenvolver o axioma de que o inconsciente é estruturado como linguagem.

Para ele, a organização dos significantes (no inconsciente) se faz através de duas operações, que seriam as mesmas da linguagem: condensação (Verdichtung) e deslocamento (Verschiebung), cujos efeitos são a metáfora e a metonímia.

Apesar disto, Lacan afirma que o deslizamento (deslocamento) incessante do significado sob o significante, por ação do inconsciente, não quer dizer que não haja a prevalência de um sentido em jogo. Lacan faz questão de pontuar que seria um erro "pensar que a significação reina irrestritamente para-além. Pois o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sentido, desdobrando como que adiante dele sua dimensão.


CONCLUÍMOS?
   
Com base no que foi visto, seria lícito dizer que a literatura pode ser definida como “Metáfora do mundo”.
A partir do inconsciente, segundo Lacan, o mundo já poderia ser organizado sempre como metáfora ou metonímia. No  Lacan talvez básico, (como meu conhecimento de Lacan, se é que chego a isso) o inconsciente é o “Lugar do Outro”.
A linguagem falada ou escrita (e, por isso, qualquer texto) então, refletindo este processo de condensação e deslocamento,  seria sempre metáfora ou metonímia desta alteridade que é o mundo exterior ao sujeito.
No entanto, para Jakobson, que deu origem a tal reflexão de Lacan, a metáfora teria “primazia” na linguagem, considerando que qualquer figura de gramática não deixa de ser procedimentos metafóricos de transladação e intensificação de sentido.
Se o texto literário condensa, sobrepõe o sentido das coisas do mundo, dissolvendo a individualidade das coisas comparadas, criando um “mundo” onde estas coisas estão sobrepostas, sim...
Mas alguém poderia dizer, igualmente, que a literatura é metonímia do mundo, porque esta organiza os elementos individuais do mundo de forma a representá-lo. Ou afirmar que toda metáfora contém uma metonímia e vice-versa.
A literatura pode ser “recriação” do mundo, e nunca será um retrato absolutamente fiel a ele. Mas, segundo José Paulo Paes "A expressividade de uma metáfora é tanto maior quanto maior for o grau de individuação e dissimilaridade das coisas entre si comparadas.” Logo, se o objetivo da literatura é a expressividade, essa diferença mesma pode não ser importante, e sim a “palpabilidade” do mundo criado no texto literário.


E pode chegar alguém ainda e afirmar que o verdadeiro reino da metáfora sendo a poesia, e sendo esta ainda mais comparável à música e às artes plásticas que à literatura em si (“o resto é literatura”, como redigiu Verlaine) , discussão mais proveitosa seria: A poesia é metáfora do mundo?


por Adrian'dos Delima
                                                                 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Kurt Schwitters em inglês, poema escrito no exílio, traduzido ao português por Adrian'dos Delima.


Kurt Schwitters, 1946. Poema escrito em língua inglesa, no exílio. Tradução ao português Adrian'dos Delima.


dadé, por Adrian'dos Delima.



Este poema, já traduzido em português pela professora, escritora e crítica de arte Veronica Stigger,  é um exemplo dos poemas escritos em inglês por Kurt Schwitters quando se encontrava no exílio, publicado ou escrito em 1946, aparecendo na obra Duke Size. Reproduzindo as palavras de Stigger, neste poema encontra-se ainda em ação o gesto do Schwitters dadaísta, porém, sem as mesmas intensidade e força da juventude.

Graças à existência de seres enbrutecidos como Adolf Hitler, os leitores de língua inglesa puderam ter o prazer de conhecer textos originais do genial poeta dadaísta, visual e sonoro, pintor de vanguarda e também  convencional, designer, criador das primeiras instalações artísticas conhecidas, tudo isso apesar de ser um publicitário.

Naturalmente, em minha tradução, tento antes recriar os efeitos sonoros que as exatidões semãnticas do poema.


***

At ten past three
Spring ceases to be
All flies that yet here are
All mothers that mammies are
All masters that daddies are
Sing songs that dada are
All birds are
Dadar.
*
Às três e dez
A primavera cessa o ser
Toda mosca que inda daqui é
Toda mãe que mami é
Todo mestre que tatá é
Só canta canção que dadá é
Toda ave é
Dadé.


Tradução ao português Adrian'dos Delima.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012