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segunda-feira, 30 de março de 2020

Versa, de Renato de Mattos Motta - Do caos aos mitos





Versa, do caos aos mitos

Sobre o livro de poemas Versa, de Renato de Mattos Motta

poesia caótica para retratar o caos
nada melhor se inventou
a não ser na prática e usual dos últimos tempos
poesia de ver as coisas no minúsculo
ver as minúcias do mínimo
cotidiano urbano transformado em um múltiplo hai-kai rural
está em construção a poesia que organize
a urbana selvageria em uma verdadeira anarquia organicista
por mentes orgânicas
nada melhor se inventou
a não ser na prática grandes discursos filosóficos
voltados para o interior criador
essas duas vertentes das quais nem o incomensurável
Maiakovski escapou
Como o esperto Stalin percebeu
toda aquela poesia de Maiakovski e seus pares era anárquica
por isso era mister assassinar  o maior de todos
o último e intocável mestre transformado pelo acidente
de um descomunal e invencível talento
em poeta oficial, já que mesmo suas paisagens internas
retratavam incontáveis paisagens internas do povo
Renato parece escolher as musas certas
futuristas
sem pontos nem vírgula nem letras maiúsculas
poesia que tende a ser fronte de um grande edifício
e tende a uma implosão
fragmentando seus despojos para dentro de si mesma
não-nexos nexos rarefazidos
automatismos sem surrealismos
retratos rápidos e simbólico-simbolistas
eu diria que aí vamos nos aproximando do ancestral expressionismo
mas mais ação direta do que nada
antes de tudo
uma poesia suja de sangue
urbanamente assaltada assassinada
a morte comparecendo como a um Álvares de Azevedo anarquista da big city moderna
de Baudelaire
onde os sentidos já não absorvem senão
todo o tipo de poluição
por isso a pontuação comparece às vezes
como poluição que vence a liberdade do poema
porque é dito que a poesia de Renato é uma poesia
redutivelmente classificável como urbana
social-urbana
no pontapé inicial do Expressionismo
a natureza não comparece senão como signo de poluição mofo e desolação
o poema frio é a melhor metáfora do sul da América do Sul
é um exemplo claro da Estética do Frio de Vitor Ramil
o sabiá intenta um revés na máquina produtiva industrial futurista
(singelezas de Quintana ainda podem nos salvar)

em desamor a cidade desaba
de amor todos males se calam
o amor é o combustível mais fácil
com o amor-musa a poesia sempre atinge alturas
outros hemisférios
mistérios
mas, enfim, navegar é preciso
descobrir o eterno feminino
a salvação das mulheres o paraíso dos loucos
enfim, o que dizer
dessa inesgotável fonte que brota também
na poesia de Renato
poderia ela tornar-se uma grande Alexandria
biblioteca de amores
sem maiores prejuízos para ela
o sempre vivo farol antigo a guiaria
Renato poderia renascer um Kaváfis
ainda assim perderíamos o promissor poeta
social-urbano-industrial

porque
deste coração agora intimista
advêm as inquietações
as perguntas
por  que
que não exigiriam mais resposta que o ponto de interrogação se repetindo
da solidão descoberta no que tem de dura
surge ou surta a criança
o fantasma agourento do azedume adulto
a metalinguagem que assombra pela primeira vez
o medo do apagar do nosso nome
os nomes que descobrem só falar de nomes
os significantes pelos significantes
ante a insignificância dos significados
mesmo o puro significante
à moda de Millôr-poeta

e eis que de repente
do íntimo para os mitos de Renato
surge a grata surpresa de um poeta-pintor
conciso
preciso no impreciso
acentuando traços de um inicial Maiakovski
e do Kandinsky poeta
usando o clássico corte sintático do haiku
atribuindo a uma certa Pandora
os males e males
as anteriores inquietações ruins
também a essa sereia analfabeta
atribui toda a beleza
e aqui talvez reencontramos o velho Baudelaire
pai de toda a poesia moderna
suas flores do mal
modernas mesmo na forma de sonetos
ou dos solenes simulacros de soneto de Renato-sem-passo-marcado
descobridor do sonho de Ícaro


EJA Escola Marcírio: Sarau literário com o poeta Renato de Mattos ...Renato de Mattos Motta nasceu e vive em Porto Alegre. É editor, publicitário, poeta, faz xilogravuras, fotografias e histórias-em-quadrinhos, além de já ter trabalhado em teatro. Atuou nas peças “De como Raízes Transformam-se em Asas” de Cairo Trindade e “A Casa da Suplicação”, de Carlos Carvalho, 2º lugar em Conto no I Concurso Mario Quintana de Literatura DCE/ADUNISINOS; publicou “Pau de Poemas”, álbum de poesias ilustradas em xilogravura; “Salamanca”, adaptação para quadrinhos de uma lenda recolhida por J. S. Lopes Neto; além de uma coleção de fotopoemas e da “Coleção Fogo do Verbo” - caixas de fósforos com poemas. Realiza o Sarau "Gente de Palavra", mesmo nome de sua editora.


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