Versa, do caos
aos mitos
Sobre o
livro de poemas Versa, de Renato de Mattos Motta
poesia
caótica para retratar o caos
nada melhor
se inventou
a não ser na
prática e usual dos últimos tempos
poesia de
ver as coisas no minúsculo
ver as
minúcias do mínimo
cotidiano
urbano transformado em um múltiplo hai-kai rural
está em
construção a poesia que organize
a urbana
selvageria em uma verdadeira anarquia organicista
por mentes
orgânicas
nada melhor
se inventou
a não ser na
prática grandes discursos filosóficos
voltados
para o interior criador
essas duas
vertentes das quais nem o incomensurável
Maiakovski
escapou
Como o
esperto Stalin percebeu
toda aquela
poesia de Maiakovski e seus pares era anárquica
por isso era
mister assassinar o maior de todos
o último e
intocável mestre transformado pelo acidente
de um
descomunal e invencível talento
em poeta
oficial, já que mesmo suas paisagens internas
retratavam
incontáveis paisagens internas do povo
Renato
parece escolher as musas certas
futuristas
sem pontos
nem vírgula nem letras maiúsculas
poesia que
tende a ser fronte de um grande edifício
e tende a
uma implosão
fragmentando
seus despojos para dentro de si mesma
não-nexos
nexos rarefazidos
automatismos
sem surrealismos
retratos
rápidos e simbólico-simbolistas
eu diria que
aí vamos nos aproximando do ancestral expressionismo
mas mais
ação direta do que nada
antes de
tudo
uma poesia
suja de sangue
urbanamente
assaltada assassinada
a morte
comparecendo como a um Álvares de Azevedo anarquista da big city moderna
de
Baudelaire
onde os
sentidos já não absorvem senão
todo o tipo
de poluição
por isso a
pontuação comparece às vezes
como
poluição que vence a liberdade do poema
porque é
dito que a poesia de Renato é uma poesia
redutivelmente
classificável como urbana
social-urbana
no pontapé
inicial do Expressionismo
a natureza
não comparece senão como signo de poluição mofo e desolação
o poema frio
é a melhor metáfora do sul da América do Sul
é um exemplo
claro da Estética do Frio de Vitor Ramil
o sabiá intenta
um revés na máquina produtiva industrial futurista
(singelezas
de Quintana ainda podem nos salvar)
em desamor a cidade desaba
de amor todos
males se calam
o amor é o
combustível mais fácil
com o
amor-musa a poesia sempre atinge alturas
outros hemisférios
mistérios
mas, enfim,
navegar é preciso
descobrir o
eterno feminino
a salvação
das mulheres o paraíso dos loucos
enfim, o que
dizer
dessa
inesgotável fonte que brota também
na poesia de
Renato
poderia ela
tornar-se uma grande Alexandria
biblioteca
de amores
sem maiores
prejuízos para ela
o sempre
vivo farol antigo a guiaria
Renato
poderia renascer um Kaváfis
ainda assim
perderíamos o promissor poeta
social-urbano-industrial
porque
deste
coração agora intimista
advêm as inquietações
as perguntas
por que
que não
exigiriam mais resposta que o ponto de interrogação se repetindo
da solidão
descoberta no que tem de dura
surge ou
surta a criança
o fantasma
agourento do azedume adulto
a
metalinguagem que assombra pela primeira vez
o medo do apagar
do nosso nome
os nomes que
descobrem só falar de nomes
os
significantes pelos significantes
ante a
insignificância dos significados
mesmo o puro
significante
à moda de
Millôr-poeta
e eis que de
repente
do íntimo
para os mitos de Renato
surge a grata
surpresa de um poeta-pintor
conciso
preciso no
impreciso
acentuando
traços de um inicial Maiakovski
e do
Kandinsky poeta
usando o
clássico corte sintático do haiku
atribuindo a
uma certa Pandora
os males e
males
as
anteriores inquietações ruins
também a essa
sereia analfabeta
atribui toda
a beleza
e aqui
talvez reencontramos o velho Baudelaire
pai de toda
a poesia moderna
suas flores
do mal
modernas
mesmo na forma de sonetos
ou dos
solenes simulacros de soneto de Renato-sem-passo-marcado
descobridor
do sonho de Ícaro
Renato de Mattos Motta nasceu e vive em Porto Alegre. É editor, publicitário, poeta, faz xilogravuras, fotografias e histórias-em-quadrinhos, além de já ter trabalhado em teatro. Atuou nas peças “De como Raízes Transformam-se em Asas” de Cairo Trindade e “A Casa da Suplicação”, de Carlos Carvalho, 2º lugar em Conto no I Concurso Mario Quintana de Literatura DCE/ADUNISINOS; publicou “Pau de Poemas”, álbum de poesias ilustradas em xilogravura; “Salamanca”, adaptação para quadrinhos de uma lenda recolhida por J. S. Lopes Neto; além de uma coleção de fotopoemas e da “Coleção Fogo do Verbo” - caixas de fósforos com poemas. Realiza o Sarau "Gente de Palavra", mesmo nome de sua editora.
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