antologia de pequenos trastes velhos
VESTÍGIOS DO MEU PORTUGUÊS
Traços de lua
Rua triste
E atrás de mim
Às traças
Meus traços de lesma
Maltraços de linhas
O galo começa
Lá mesmo
Um canto de agouro
Onde no céu
Se traçam
D’ouros
Vind’ouros nas frestas
Da janela persa
(De Veneza ?)
(Da Tailândia?)
(Desta.)
PEQUENO POEMA SEM CONTA
O dois é um bom número
Mas mente o bom matemático que diz
Pois na física somos dois
Mas dois não é da física
Dois é da matemática e na boa matemática
De quem já sabe contar nos dedos
Somos um
Não na física e nem na matemática
Pois aprendi que no amor como na vida
Já não existe
Ciência exata
COISAS, COISAS
coisas, COISAS que eu quero dizer e digo pra trás
Eu quero dizer coisas
que eu quero dizer e deixo pra trás, digo, fico
Eu quero dizer
São essas coisas que eu
não digo
quer dizer
ficam
flâmula
Hoje me sinto triunfante
E vivo
o cigarro no escuro
E vem
dia e vem sol
e eu cada vez mais
vivo
queimo de paixão
pela brisa
digo olá
POEMA COM CAUSA E EFEITO
Por causa do teu reflexo
Que estudavas no vidro embaçado
Ficou no banco do trem
Meu guarda-chuva com cabo de madeira.
POEMA QUE EU NÃO ACHO
(1) Não acho nada
Ninguém acha nada
Quando acho perco
(2) Não posso achar
Nada que não tenha
Sido achado ainda (antes)
(3) Não posso achar
Nada que ainda
Não seja achado
(4) Não posso achar
Nada que não seja
Perdido ainda
(5) Não posso achar nada
Que não tenha sido
(6) E nem nada que
Não tenha sido perdido
...
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CALENDA
Dos
Números grandes da folhinha
Ficou a parede rosa
A mulher alisando as crinas
autoretrato
a amargura ama
e vive atirada sobre uma cadeira velha
esperando a própria morte
e desejando a morte alheia
enquanto não sente nos lábios
o toque dos lábios
que ela tanto anseia
ANDANTE AO SR. DIRETOR
nenhum extravio tira
do caminho quem
ainda no automatismo guia
espalhando flores
no retrovisor
com sorrisos
COLHENDO AMORAS
O que quero provar (primeiro)
São os teus dedos vermelhos.
NESTA NOITE
Nenhum sentimento em especial
Um coral de sapos porenche a chuva
Espessa e com parco reflexo
Até que aqui pra dentro transborda
O coração cheio
PÁGINA VAZIA
As flores botam suas hélices no ar
Vão embora
Neste jardim
Há os que vi abatidos como moscas
E eram borboletas
TURBILHÃO
O ventilador olhou dois lados
Eu dormi
Ele virou pro outro
E enterrou bem fundo
As hélices pela janela
Numa nuvem de chuva
NA ÁREA COBERTA DOS FUNDOS
A lâmpada
de mercúrio
quando apago
custa a perder
sua cor vermelha
Igual à pera
que dá nos postes
da avenida
é a lâmpada
desta viga
E tuas bochechas
que eu julgo maduras
em paixão
pra cobrir de mordidas
frutívoras, também são.
DENQUANDO VOU PELO DESCHOVIDO
Um asfalto que se mexe
Parece vivo
Em minhas botas
Choveu cacos de vidro
De um poste a um limoeiro
Contra a luz fraca
Do presente
Penso
Que meus cabelos prateiam
Na soma dos instantes
Com este
CONCORRRENTE
Alguém está pintando
Por dentro o Boquita`s
Vazio e é como
Os bares em volta
No dia de sol
Issem sorrindo
A vida na selva
E eu
E eu com isso
DIZ-QUE-DIZ
diz que o sol se levanta
diz que o sol se põe
copérnico diz burrice
para o sol ele é sempre meio-dia
BEST FRIEND
deita rola fica parado finge de morto abana o rabinho
busca pauzinho
companhia dispensada
DUM DISCURSO DITO-SE HONESTO
Ri
Assumo
Isso
E os outros se olham pela sala de reunião
Enquanto me orgulho
PAR
Caramujo preto
De latrina
Pública
Meu poema bate
Na próxima
Porta
Senta lendo e se en-
Rod’
Ilha
CAMONS
Se desse eu com engenho e arte
Tendo visto clarivisto
A toda gente em toda parte
Me enjambro ainda em longe mar bravio
Atrás da seda cor do céu
Engendrava-na no navio
Essa gente do tear que adoça
O lume vivo o que se não viu
O VOTO DE SILÊNCIO
Diz-se um discurso contemporâneo
O verdadeiro nadador
é aquele que cruza os braços
diante da água.
A estrela mais bela
ainda está por ser descoberta.
O grito
que vale a pena ser ouvido é o do mudo.
Incorre em erro
aquele que diz o que acha que sabe
porque a verdade está escondida
e em constante movimento.
Se você diz estas coisas é que está por dentro
*
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