POPULARIDADE E
MARGINALIZAÇÃO EM POESIA HOJE: A POESIA COMO MANIFESTAÇÃO SECUNDÁRIA DA
CULTURA.
Adrian'dos
Delima
“Um par de botas vale tanto quanto
Shakespeare.”
Alain
Finkielkraut
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A projeção e a
influência: ser drumondiano é estar morto.
O gancho destes apontamentos surgiu de forma
quase acidental, quando por acaso encontro uma entrevista dada recentemente por
Régis Bonvicino a Paulo Werneck , editor da Ilustríssima, publicada no site de
Bonvicino. Quatro perguntas um pouco descontextualizadas, talvez, se não
quisermos considerá-las tendenciosas ou propagandísticas, contra três respostas
apenas, que parecem contestar a importância ou o valor dos próprios
questionamentos feitos por Werneck. Diante da primeira pergunta da qual não
consigo extrair um sentido exato, pois não consigo compreender
porque alguém faria seriamente uma pergunta como esta - “Somos todos
drummondianos?” - Régis Bonvicino responde com poucas palavras, proferindo entre
elas “ser drummondiano equivale a estar morto”. Se a entrevista fosse uma
espécie de jogo no qual só pudéssemos responder sim ou não, nenhum ser pensante
e falante do português responderia sim a tal pergunta. Considera
Bonvicino o óbvio, que ser seguidor de um só poeta representa um empobrecimento
na produção de um autor, visto que existem e existiram, no Brasil e no mundo,
inúmeros poetas a cujas obras podemos apreciar e dos quais podemos aprender
muita coisa, e por eles, em termos de formas de escrita, nos deixarmos
influenciar; ou poetas que também teriam muito a nos dizer – sem que precisemos
nos referir, neste momento, à chamada “angústia da influência” de Harold Bloom,
já que todo e qualquer discurso é formado por outros seus predecessores e,
naturalmente, a nossa linguagem também, o que depreendemos de diversos estudos
na área línguistica e, sendo um texto literário ou poético, suas referências
poderiam, inclusive, fugir quase que completamente de quaisquer tradições
literárias para produzir uma poesia nova em sua linguagem, preferindo um
diálogo com vozes extra-literárias, ou apenas fora da tradição literária mais
canônica.
Porém,
esta aproximação com outras linguagens e, consequentemente, com outros
discursos, não deveria autorizar o produtor de poemas a prescindir de uma série
de procedimentos que o permitirão criar algo que possa ser chamado, em um
sentido amplo, de texto poético. É muito razoável a proposta de que um bom
poema somente se fará mediante “o conhecimento, aperfeiçoamento, acumulação e diversidade
de processos poéticos” usando como requisitos para a criação de um bom poema
aqueles que Vladimir Maiakóvski considerava necessários para a formação de um
“poeta profissional” (Como fazer versos, tradução de Boris Schnaiderman). Isto
somente se atingirá através da formação de algum tipo de “Paideuma” (conceito
usado por Ezra Pound, uma tradição válida, uma tradição engendrada por cada
poeta) e do conhecimento de vários criadores, literários ou não, bem como da
observação e apreensão de seus processos, com
subsequente desenvolvimento de uma “escrita” (termo não
perfeitamente aplicável à poesia visual e à fonética) relativamente própria, em
considerando que, conforme nossos termos, não haveria nunca a total
originalidade. Ainda nos valendo da idéia poundiana de Paideuma, poderíamos
chegar, desta forma, àquilo que Pound em seu ABC of Reading define
como poesia (se quisermos produzir o nosso discurso a partir de dois manuais
considerados essenciais para o aprendizado sobre poesia, sendo
este segundo considerado, também, praticamente inquestionável, ambos
podendo nos dar um norte para o desenvolvimento de nossa crítica):
poesia, aquele feixe semiótico de que podemos extrair significação
ao máximo, em função de sua condensação. Quanto maior a “condensação”, maior
seria o valor do texto. Naturalmente, esta é uma definição que transforma em
“sub-literatura” a maior parte da poesia com certa
visibilidade.
Embora
Pound, em seu ABC, trate diretamente apenas de textos verbais, seus
termos e maneira de abordar o tema “linguagem”, não impedem que consideremos
como poesia certas experiências das vanguardas que prescindiam de uma clara
significação, ou mesmo que não tivessem significação alguma, nenhum sentido
lógico, como nas experiências dadaístas, por exemplo, pois Pound falava em
precisão, mas também em uma certa “precisão no impreciso”. Nem
tampouco exclui tendências experimentais posteriores ao momento das vanguardas
históricas, ou das primeiras vanguardas, experiências que prescindem do texto
escrito, da linguagem verbal, ou mesmo de qualquer signo de
escrita. Porém, com fins de demarcar os limites de nossa conversa e
torná-la mais fácil, priorizaremos aqui comentar poetas e textos poéticos que
trabalhem ou trabalharam sem abrir mão da linguagem verbal, embora não seja de
nosso agrado excluir outras formas atuais de poesia, presentes no Brasil desde
o poema/processo.
Voltando
às palavras da entrevista com Bonvicino, nosso gancho, temos que considerar
que, se fôssemos falar neste nosso texto sobre o empobrecimento poético através
da influência de um único autor teríamos que observar que o Drummond
(pois penso também conforme assinala Bonvicino na referida entrevista) é
muitos, não um, e não tem e nunca teve o monopólio da influência em todas as
regiões do Brasil, em todas as faixas etárias, grupos sociais, etc., nem é
possível dizer que toda poesia de hoje é uma resposta à sua
poesia e, jamais, poderíamos considerá-lo o poeta de maior
influência sobre os vates brasileiros de hoje, mesmo que possa ter sido o
mais influente em algum momento no passado da nossa poesia. Dificilmente,
também, podemos considerá-lo o maior poeta brasileiro de sua época, se
considerarmos os conceitos de Pound, não precisando ir muito longe para
encontrarmos poetas contemporâneos seus com maior consciência no trato da
palavra como entidade feita de fonética, de som como matéria primordial que
será utilizada pelo autor, ou do seu aspecto gráfico,
icônico-visual, somente para ficar dentro dos conceitos do “Como
fazer versos”, no qual Maiakóvski se funda em conceitos que são muito
semelhantes aos estudados pelo linguísta Roman Jakobson referentes à
materialidade da linguagem, bem como alguns daqueles dos poetas do seu círculo
“cubo-futurista”, e chegando mais próximos da “condensação” proposta por Pound
como a essência do texto poético, não da palavra como mera portadora de
significado ou contextualizadas evocações emotivas.
Um exemplo da
influência como geradora de marginalidade.
Por falar em “angústia da influência”, ficando
apenas no caso do Rio Grande do Sul, como exemplo, estado onde nasci e onde
vivo, a sufocante influência de Mário Quintana há vinte anos atrás era tão
devastadora entre os poetas que, se algum deles dissesse “eu não
gosto de Mário Quintana” isto equivalia a no Brasil dizer, há alguns anos
atrás, falando de futebol a um interlocutor médio, “eu não vou
torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo”; ou, recuando mais no tempo,
gritar em praça pública “eu não acredito em Deus”. Você estaria prestes a
passar por um linchamento moral. Você seria discriminado e marginalizado pela
sua própria classe, a dos poetas.
Este
prestígio de que gozava Quintana, mesmo quando a qualidade de sua produção
entrou em uma fase de declínio qualitativo, a predominância de seu estilo
interferindo no trabalho de outros poetas, permaneceu por longos anos e, só
começa a sofrer um certo recuo a partir do momento que, na onda da luta pela
redemocratização do Brasil, começa a alavancar-se uma poesia regionalista e
predominantemente de crítica social e política, dentro de um
movimento chamado “nativismo”, o qual extrapolava em muito os
limites da literatura. Por outro lado, existiam os poetas marginais, atuando da
mesma forma que os poetas pertencentes ao grupo da chamada “Geração
mimeógrafo”, através do uso do mimeógrafo, livretos artesanais, caseiros,
ofertados em alguns estratégicos locais públicos, outros meios, enfim, de
“apresentar e veicular” suas obras, usando as palavras de Glauco Mattoso, um
dos raros autores a tentar estudar o fenômeno daquela geração como literatura,
não apenas como fenômeno sócio-político. Tais palavras provêm do livrinho “O
que é poesia marginal”, de Glauco (Brasiliense, 1981) , no qual o autor demonstra
que, de fato, o fenômeno da “Geração mimeógrafo” era um fenômeno nacional,
havendo publicações artesanais de vários tipos, em diversos estados do Brasil,
distribuindo-as da mesma forma, demonstrando também que estes “poetas
marginais” não possuíam nenhuma unidade formal ou teórica, embora possamos
concordar com Glauco que, apenas no geral, se existia um traço comum
à maioria deles era “a desorganização, a desorientação e a desinformação”
produzindo uma poesia que demonstrava “despreocupação com o próprio
conceito de poesia e o descompromisso com qualquer diretriz estética”
resultando em uma “espécie de displicência”. Os “marginais” gaúchos poetas
estão, de fato, inspirados pela maneira “militante”, artesanal, de atuar de
todos aqueles poetas publicados no livro organizado por
Heloísa Buarque de Hollanda, 26 Poetas Hoje, em 1975, que, excluindo-se dois ou
três, são considerados os “poetas marginais” por excelência (tais como Chacal,
Cacaso, Ana Cristina César). No entanto, já a partir de meados dos
anos 80 e antes, os poetas marginais gaúchos estão afastados da simplicidade
formal dominante no grupo de “26 poetas”. Mais assemelhados em sua
maioria ao trabalho de Roberto Piva, um caso à parte entre os poetas
publicados na antologia de H. B. de Holanda, buscam outras formas de expressão
verbal, muitos se aproximando da poética da Geração Beat e seus predecessores.
Outros buscam o aprendizado do concretismo e, em seguida, de toda a
bagagem que carregam os irmãos Campos & companhia, tal como fez Geraldo
Carneiro, uma outra voz um tanto destoante na antologia mais representativa da
Geração Mimeógrafo.
Já observávamos, com Régis Bonvicino, que afirma em Tantas Máscaras (Reconhecimento
de uma Nova Poesia Brasileira), que “o movimento da ‘Poesia Marginal’, de 1975, pode ser visto como um dos
desdobramentos do Tropicalismo sobretudo no Rio de Janeiro, tendo-se em mente
que o Tropicalismo foi, sob certo ângulo, uma releitura, no âmbito da massa, do
Modernismo. A ‘Poesia Marginal’ explorou detalhes modernistas como o
‘poema-piada’ e resolveu precariamente o tópico da reinvenção de uma poesia
coloquial”, pode-se observar, também, ainda conforme Bonvicino, que a maior
parte da poesia marginal usou de um experimentalismo linguístico dispersivo,
ingênuo, ante o qual acabaram por surgir algumas “respostas criativas
individuais”.
Na
segunda metade dos 80, ainda, começa a surgir entre estudantes do Rio Grande do
Sul a figura meteórica do Paulo Leminski poeta, uma voz inconfundível, para não
usarmos a palavra original, sempre contestável, que mistura um pouco da ironia
e certo desleixo coloquial da Geração Mimeografada a um muito de rebeldia beat
e às propostas formais do concretismo,
estas também começando a despertar interesse no público
em função da música de compositores como Arnaldo Antunes, ainda participante do
grupo de rock “Os Titãs”. E Leminski, aliás, dominou com precisão, como poucos,
as técnicas de escrita dos concretistas, a qual aliou a liberdade
linguística na exploração do coloquial, situando-se na poesia – como o principal nome daquela “resposta criativa” mencionada
por Bonvicino.
Da inspiração nas
margens junto à descoberta de novos consumidores até a geração de uma nova leva
de poetas ou proto-poetas. A não-existência da poesia na mídia
institucionalizada.
Se entre os jovens poetas do Rio Grande do
Sul, a partir do seu surgimento, a influência da poesia de Leminski só
cresceria, pois a exemplo dos poetas marginais, havia um público-alvo real
interessado no “produto”, se verificaria em todo o Brasil a mesma tendência de
popularização do curitibano como um novo grande poeta brasileiro, ou o novo
grande nome da poesia brasileira, visto pelo público como um autor “moderno”
(seria dizer uma espécie de “vanguardista”, para um público não especializado),
inventor de uma poesia realmente nova. Isso transformaria Leminski no poeta
brasileiro mais famoso e copiado entre os jovens poetas, com uma influência que
se pode verificar até os dias de hoje, embora as consequências desta ascensão
vertiginosa também já possam estar perdendo em intensidade. Tal influência,
hoje, se demonstra, principalmente, através da produção em larga escala do
poema mínimo e do haicai sendo, deste último, Leminski um dos principais
difundidores no Brasil, tendo-o seguido nesta obra a sua esposa, a também poeta
Alice Ruiz. Evidentemente, a poesia haicai de Leminski fugia (e muito) aos
padrões rígidos da velha fôrma, do pensamento formatado do haiku japonês
tradicional, indo muito além das pequenas variações de estilo que aquele
aceitava, delimitadas dentro das características estilísticas de três períodos
distintos (o de Bashô, o de Buson e o de Issa). De um humor que ultrapassasse
uma certa ironia suave com fins morais ou emotivos, e um nonsense aproximado do
surrealismo e do dadaísmo, nem se fale nisso, o que pensariam aqueles japoneses
que o brasileiro admirou? Esta produção massiva de haicais gerada a partir da
influência de Leminski foi e é, muitas e muitas vezes, ou na maioria dos casos,
de qualidade duvidosa, ou mesmo péssima, e o fato de ter se transformada em
moda é facilmente explicável por um modus vivendi cujo
pragmatismo nos exige a pressa e onde o signo visual atinge muito mais
facilmente “a retina mental” do público (usando palavras de Pound) já que o
pensar e o imaginar em demasia exigem tempo, boa vontade e outros requisitos.
Algo semelhante popularizou a prosa dos chamados “mini-contos”, a pressa
contemporânea, no caso.
Seguindo
o nosso diálogo com a breve entrevista de Régis
Bonvicino, este chega a silenciar sobre uma das
perguntas, pois o entrevistador parece não estar compreendendo a crítica feita
por Bonvicino. Resumindo a pergunta, “A herança de Drummond gerou, de alguma
forma, uma poesia conservadora? Qual é o caráter desestabilizador da poesia de
Drummond?”. Eis aí uma pergunta que, realmente, não necessitava de
uma reposta, já que Bonvicino encerrara a contestação anterior com as palavras
“acho que nem mesmo Drummond é tão ‘imitado’ quanto sua pergunta sugere”. Além
disso, observação minha, formalmente falando, em termos de linguagem, não há
nada de “desestabilizador” na poesia de Drummond, a não ser, talvez, no
conteúdo, aquilo que não costumo analisar. Poderia haver alguma inovação na
década de 30, com aquela sua pedra no meio do caminho, que saiu na
Revista de Antropofagia em julho de 1928 e contribuiu para o escândalo geral
que já era o próprio movimento antropofágico, podendo ser o poema, inclusive,
um precursor da própria poesia concreta. No entanto, naquele
momento, muitas inovações, até mais radicais, como na poesia e
prosa/poesia de Oswald de Andrade, já haviam chocado o público desde um
primeiro momento do nosso modernismo, Drummond já não poderia ter a
suprema glória de todo aquele que sonhava em ser um vanguardista legítimo, a de
deixar todo e qualquer receptor absolutamente estupefacto (talvez nem o
desejasse) e, posteriormente, se a sua poesia fosse de fato
desestabilizadora, haveria muita polêmica em torno do seu nome, em função da
sua estética, como haveria em torno do nome do grupo Noigandres e também de
Paulo Leminski.
Por
fim, ainda atendo-nos à curta confabulação de Werneck com Régis, produtiva
apenas em função das curtas respostas que dizem-nos muito, parece-nos que
Bonvicino está fazendo ali uma crítica, e um pouco mal-humorada, a algo que
poderia incluir uma analogia com a própria atuação do entrevistador Werneck
naquele momento. Atendo-nos à resposta de Bonvicino
na última pergunta de Werneck, a qual diz respeito mais diretamente
ao tema sobre o qual gostaríamos de conversar aqui, tal
questionamento de Werneck parece ser uma acusação à poesia feita pelos
verdadeiros literatos de hoje, como o próprio Bonvicino, afirmando que à época
de Drummond esta poesia de literatos poderia ser compreendida por qualquer
leitor comum, “culto mas não especializado”. Ou seja, Paulo Werneck chega
exatamente onde demonstrou pretender chegar com a pergunta anterior,
aqui não citada ainda, com a qual procura atribuir o adjetivo de “hermético” a
toda poesia que entende como “experimental”: uma velha adjetivação dos tempos
em que chamavam o concretismo de vanguarda e qualificavam as vanguardas como
“elitistas”.
De
fato, como já dissemos, concordando com as palavras de Bonvicino em sua
entrevista, há vários drummondes no próprio Drummond, não da mesma forma que
isto ocorria com Fernando pessoa, naturalmente, e, podemos acrescentar ,
copiando fielmente a fala de Bonvicino, que “Existe poesia experimental de
fácil leitura e há poemas não experimentais de Drummond de difícil
leitura”. Mas Werneck pretende, na realidade, que se alcance voltar
a uma suposta “Idade de Ouro”, na qual os poetas buscavam e atingiam a
comunicação com o público, havendo uma total sintonia, empatia, comunhão com
este. Propõe, então, que “a poesia”, toda ela, está encerrada em um “nicho”.
Desconheço que algum dia tenha esta existido esta fase, esta “Idade de Ouro”,
no Brasil. Diferentemente de países como a Espanha, onde a poesia da
época de Lorca era recitada na rua e atraía multidões, ou do Irã, onde desde os
tempos da Pérsia a poesia é a arte mais praticada, ou do Chile e da Rússia,
onde a poesia sempre assumiu extrema importância, a poesia jamais obteve muita
repercussão além de estampar os diários e cadernos de meninas do Ginásio e
normalistas com palavras de amor, até a década de 60 ou 70, no máximo. Muitos
sonetos de amor.
Régis
Bonvicino, no entanto, através de sua reposta, demonstra muito lucidamente
entender que, a partir do advento da popularização da internet, não se pode
mais falar em “nichos” para a poesia. O poeta-crítico fala na existência de um
“boom” da poesia no Brasil, o que talvez não seja exatamente uma realidade. Pode
estar ocorrendo, simplesmente, que muitas pessoas com algum anseio de expressar
suas idéias, sentimentos, sensações, inclusive meras opiniões (nem sempre com
muita arte) já estivessem escrevendo há muito tempo, tendo encontrado na rede
internacional de computadores uma ferramenta poderosíssima para mostrar o seu
trabalho (ou seu mero passatempo sem algum esforço para atingir um texto de
qualidade, e quanto menos excelente). Tal poesia que, no geral, antes que a qualidade, busca um caminho alternativo para
engendrar um público ou apenas expressar-se ante amigos e criar novas amizades,
de certo modo poderia ser considerada uma “poesia marginal”, tendo em comum com
a antiga Geração Mimeógrafo o fato de utilizar um suporte alternativo para a
sua divulgação, sendo feita por poetas ou proto-poetas independentes e
autônomos em relação à grande mídia (como toda poesia) e ao mercado editorial,
quando não indiferentes a estes, não encontrando um motivo para a sua
utilização.
No
meio do caos informacional que representa a internet, entretanto, teremos muita
dificuldade para separar o joio do trigo, embora possamos dizer que a poesia
esteja aí, buscando e encontrando caminhos válidos para ser lida, vista ou
ouvida, enfim, divulgada e debatida. A respeito, muito diz
o texto de apresentação do blog de Jerome Rothenberg, “poems and
poetics”, o qual ele intitula, sugestivamente, “A Prospectus”: In this age of internet and blog the possibility opens
of a free circulation of works (poems and poetics in the present instance)
outside of any commercial or academic nexus. I will therefore be posting work
of my own, both new & old, that may otherwise be difficult or
impossible to access, and I will also, from time to time, post work by others
who have been close to me, in the manner of a freewheeling on-line anthology or
magazine. I take this to be in the tradition of autonomous publication by
poets, going back to Blake and Whitman and Dickinson, among numerous others.” É interessante notar que Rothenberg aponta para a mesma autonomia dos que
pretendemos denominar de “marginais” como uma longa tradição na melhor poesia
de língua inglesa, tradição esta que estaria recebendo um novo impulso através
do uso da rede internacional de computadores.
Portanto,
se olharmos com clareza para o tempo presente, logo percebemos que a poesia não
se encontra oculta, restrita a círculos especializados, está em circulação e,
somente (considerando que o livro de poesia impresso já não serve para captar o
interesse de um grande número de pessoas), a ela carece espaço nos jornais e
televisão, veículos que ainda parecem interferir e condicionar mais a formação
da opinião e do gosto público, num sentido behaviorista, inclusive . Isto já
nos parece normal, e pareceria uma perda de tempo reclamar desta situação. Todo
o tipo de discussão intelectual dificilmente chega aos veículos tradicionais de
comunicação de massa. Ocorre o quê? Talvez não exista, em realidade, um
espaço para a inteligência na grande mídia. Ou melhor, não sei se um veículo
como a televisão, por exemplo, nos moldes de hoje, seria um espaço adequado
para a discussão sobre poética. Temos canais sobre música, por exemplo, mas não
canais que nos ensinem como fazer música. Ao público, isto não interessa. Interessa
ouvir e apreciar a música. De outro modo, a televisão se afastaria de seus
objetivos, antes de nada comerciais.
Por
outro lado, quando se inventa um espaço para a poesia, caso que nos interessa,
dificilmente se verá uma discussão crítica séria. Bonvicino observa que estes
veículos “mais institucionalizados”, bem como as editoras, que não investem nos
autores com o seu próprio dinheiro, não possuem especialistas em literatura e,
podemos observar, seus editores compreendem menos ainda a poesia, e por este
motivo Régis fala em uma “deseducação geral”, provavelmente gerada por esta
situação da predominância informativa da televisão e do jornal, os quais não
assumem compromisso algum com o pensamento, com a literatura e, menos ainda,
com a poesia, já transformada em uma manifestação marginal de nossa(s)
cultura(s).
Pouco
acompanho a grande mídia de maior alcance popular, porém, é possível observar
facilmente a veracidade da afirmação de Régis Bonvicino: mesmo um gigante em
audiência como a Rede Globo, que poderia aproveitar seu “poder de fogo” para
transformar aquele quadro da deseducação referido pelo poeta
paulista, se inclui neste perfil. Recordo de haver acompanhado uma
entrevista no programa de Jô Soares com Haroldo de Campos, que na
ocasião recitou uma grande parte do monumental “Galáxias”, porém não recordo de
ter visto Jô Soares fazer nenhuma pergunta interessante, mesmo
simples, no concernente ao fazer poético em si, ou sobre a substância
da poesia, ou sobre a situação e a relevância da poesia na época, ou sobre
autores que pudessem ter influenciado o trabalho de Haroldo. Nada. Não parecia
estar entrevistando um poeta, e um poeta maior, o que Jô Soares e sua equipe de
trabalho talvez não pudessem compreender. No mesmo programa de auditório, há
pouco tempo, presenciei entrevista com o poeta gaúcho Fabrício Carpinejar, um
poeta com referências interessantes e um trabalho sólido, apesar de eu ainda
não ter tido a chance de conhecê-lo devidamente para avaliá-lo com mais
justeza, apesar da grande divulgação do seu nome. A entrevista parecia uma peça
de teatro, na qual o personagem do poeta cativou a platéia, enquanto não se
tocava, ao que posso lembrar, uma vez sequer, no assunto poesia. E, no entanto,
Carpinejar é reconhecido como poeta e, somente devido a este reconhecimento
conseguiu a projeção para estar lá, sendo entrevistado num programa
televisivo de grande audiência. Mesmo figurando constantemente na grande mídia,
a obra do poeta continua pouco conhecida e divulgada, pois nem aqueles meios
que o divulgam parecem ter meios, com o perdão pelo trocadilho, para
compreender e divulgar verdadeiramente à obra do poeta Fabrício Carpinejar.
Sucesso e
marginalidade em poesia no Brasil recente.
Dando um grande giro no assunto, para voltar à
temática que aqui nos interessa, Carlos Drummond de Andrade , de fato, em um
dado momento, atingiu uma popularidade bastante significativa, talvez em função
de uma certa simplicidade em alguns exemplos de sua poética, um tipo de
“afrouxamento” que jamais encontraríamos em um poeta como João Cabral de Mello
Neto e, mesmo, em Mário Quintana (antes da sua “decadência”), outros dois
grandes nomes da poesia de seu tempo, embora o primeiro destes dois, já naquela
época, não tivesse possibilidade, com sua poesia mais característica, de
atingir a um público médio, somente o conseguindo, em baixo grau, quando
escreveu poemas moldados em padrões de cantares populares, tal qual “Morte e
Vida Severina”. Isto, diferentemente do que ocorre com o poeta mineiro, bem
como com o gaúcho, o transformou no que costuma-se chamar de “um poeta para
poetas”, aquele que Maiakóvski, de outra forma, teria definido como uma “usina”
ou “estação”, tema ao qual voltaremos mais adiante. Por alguns motivos
semelhantes ao que ocorreu com CDA, encontraremos os livros do poeta
curitibano Paulo Leminski atingindo a um grande público, na máxima medida que a
poesia poderia atingir ao público leitor, naquele determinado momento. Este
Leminski controvertido, visto por muitos como um poeta irregular em sua
produção, em cuja poesia encontraríamos altos e baixos, muitíssimo mais
contestado que CDA, seu antecessor em termos de projeção nacional, o
qual raríssimas vezes é lembrado por semelhante irregularidade na qualidade da
sua produção poética. A crítica, normalmente, saudará mais à prosa inventiva de
Leminski. Mas este Leminski é o mesmo poeta que participou das páginas da
revista Invenção, do núcleo concretista de São Paulo, e não há como negar que o
curitibano carregou consigo toda a bagagem técnico-teórica daquele grupo de
poetas para chegar à sua produção de uma poesia “mais leve”, menos sisuda,
coloquial como a dos ditos poetas marginais, no geral, e de acordo com o
projeto modernista da década de 1920. E parece ser um fato que Leminski
possuísse aquilo que deveria ser o maior desejo dos poetas concretistas, mas
que de fato nunca possuíram, que seria o “conhecimento exato (ou sentimento)
dos desejos do grupo o qual representa” como apregoava o recém citado
Maiakóvski ser uma das exigências para realizar um bom trabalho em poesia, ou
talvez uma poesia revolucionária, no seu “Como fazer versos”.
E
considerando, para desespero dos seus críticos, os momentos mais significativos
da poesia de Leminski, poderíamos enquadrá-lo, dentro da conhecidíssima
distinção que Ezra Pound faz dos diversos tipos de criadores de poesia (sendo
as principais as de inventor, a de mestre e a de diluidor), como o mais
popular mestre difusor das técnicas do concretismo. Embora
afastando-se da racionalidade extrema dos paulistas, promovendo um certo tipo
de “neoconcretismo”, subjetivo tal qual o proposto por Ferreira Gullar, em um
dado momento, e de outras reações, ainda mais fortes, ao objetivismo
da poesia concreta, como a de Wlademir
Dias-Pino e, porém, menos
grave que um Gullar no seu tom, menos mordaz na expressão, mais jovial, mesmo
quando tratando de temas políticos, como caía ao gosto do maranhense, mais
próximo de um certo piadismo de Oswald, ou de um certo romantismo, usando em
certos momentos de um desleixo maior que o de qualquer modernista de 22,
naquele tom absolutamente próximo dos “poetas de rua” do grupo intitulado
Geração Mimeógrafo, vínculo esse que se criou em função da sua identificação com
tal grupo. Sua intenção, ao se afastar do racionalismo concretista, além de ser
a de criar um público para uma proposta ainda vista como de vanguarda, ou
experimental, abocanhando os leitores da poesia marginal, era atingir uma
expressão livre, nas suas palavras “a ampliação dos espaços da imaginação e das
possibilidades de novo dizer, de novo sentir, de novo e mais expressar” que
Leminski acreditava estar já presente na poesia concreta. Não há dúvida,
acrescenta-se, diante do que o curitibano demonstrou, ao longo de sua obra
poética, que ele próprio promoveu esta ampliação de espaços e daquelas
possibilidades, através de um rico “reservatório de palavras necessárias,
expressivas, raras, inventadas, compostas, etc”, usando mais uma vez a teoria
de Maiakóvski, mas também através de combinações inusitadas de palavras e
deslocamentos de sentido ou de classe gramatical, por exemplo. No entanto, de
fato, até onde acompanhei, pareceria haver um certo equívoco na interpretação
que Leminski faz da poesia concreta clássica, que não procurava, de forma
alguma, promover “um novo sentir” e um “novo e mais expressar”: ele estaria
mais correto se dissesse que o concretismo desejava promover um “estar afinado
com um novo pensar” e promover um “novo e mais comunicar”. Ou seja,
Leminski deseja (e consegue) expressar-se com criatividade, um tanto afastado
do racionalismo concreto, atingindo em seus poemas, inclusive, por vezes,
feições neodadaístas como em poemas como “Signo
ascendente”, ao mesmo tempo que atinge a comunicação com um público
que era carente em termos de competência linguística para a leitura de certos
autores; público que, a estas alturas, chegando à década de 1980, já incluía
mesmo os leitores (ou, porque não dizer, não-leitores) das classes
média e alta, alienados pela educação deformante do sujeito imposta pela
ditadura militar dos golpistas de 1964. Leminski, assim, atingia algum objetivo
proposto, por exemplo, pelo próprio Ferreira Gullar em seu “Subdesenvolvimento
e Vanguarda”, o de chegar ao “povo”, enquanto fugia à causa do martírio de um
Maiakóvski, a de ser um “incompreendido pelas massas”, razão pela qual o poeta
oficial da Revolução Russa acabou sendo perseguido - por mais que tenha ele se
esforçado a fim de simplificar a linguagem de sua poesia, afastando-se de um
inicial parentesco com um inventivo simbolismo - bem como foram perseguidos
todos os poetas de vanguarda na recém criada União Soviética, durante o regime
de Stálin, chegando, consequentemente à morte, seja por uma bala suicida diante
das pressões sofridas, seja por um assassinato político real.
Já
que queremos falar de uma poesia que não está atrelada a verdadeiros “nichos”,
como pretendeu Werneck em sua entrevista com Régis Bonvicino, podemos ainda levar
mais adiante as observações sobre o poeta curitibano, que conseguiu levar a
poesia a um público considerável, simpatizante que era da “poesia de rua”,
aquela que buscava um contato direto entre autor e leitor, à qual
convencionou-se chamar de poesia marginal e que, utilizando-se porém de um
coloquialismo exclusivamente urbano, como o desta poesia,
aproxima-se também da poesia modernista de 22 (este trabalhava com a linguagem
popular rural, também) e, indo mais longe, de idéias como as de Kurt Schwitters - recolhendo o “lixo verbal” , o “Kitsch da linguagem verbal diária” (roubando aqui
alguma coisa de Haroldo de Campos em “A arte no horizonte do provável”) e
transformando-o em poesia: slogans, ditos populares, provérbios, etc. Nisto,
parece estar próximo, na verdade, de uma característica quase geral entre todos
poetas das vanguardas iniciais e tardias, que pretendiam transformar em poesia
tudo aquilo que, antes delas, era considerado matéria apoética (“a
poesia que não se permite certos temas é uma poesia inferior” – dizia, por
exemplo, Paul Eluárd, embora não se atendo a questão da matéria verbal usada,
como o fez o, diríamos, pós-dadaísta Schwitters); e
Leminski também parece próximo de todas aquelas tendências que a crítica
Marjorie Perlof chama de “retaguarda” (porque pretendem/pretendiam consolidar
as conquistas das vanguardas). De minha parte, prefiro, no entanto, o termo
usado por Cláudio Willer, Segunda Vanguarda, considerando que a proposta desta
retaguarda de Perlof também é levar a inovação em poesia mais adiante, e que
alguns destes grupos, buscando a arte e o espírito das vanguardas, conseguiram
desencadear, em um certo momento, uma grande revolução, como pretendiam e não
conseguiram as vanguardas históricas, com exceção da vanguarda russa, sendo
esta revolução das Segundas Vanguardas, relacionada à norte-americana Geração
Beat, desencadeadora, no entanto, de uma revolução de costumes, moral,
basicamente (a dos anos de 1960), que conseguiu influenciar,
minimamente a política mundial. Uma revolução, até o momento, não revertida.
Leminski,
herdeiro e participante de todo este contexto da contracultura, no entanto, é
criticado por aquela aproximação com o lado mais “desleixado” da poesia de 22,
o piadismo, etc., e de um certo superficialismo de alguns poetas marginais mais
conhecidos, aqueles que conseguiram ir mais longe neste descaso com
a matéria-prima da poesia verbal.
É
fato que a quase totalidade do público com sensibilidade para a leitura crítica
de poesia, na época, os 70, início dos 80, ditadura militar, era o da poesia
marginal: ela era “levada” diretamente pelo poeta até o público, que os acolhia
num ato rebelde de solidariedade. Leminski, por algo natural da sua
personalidade e da sua poesia, conseguiu conquistar este mesmo público. E,
conforme já observamos anteriormente com relação aos “poetas da internet” (como
eu próprio) podemos, aqui, entender poesia marginal em um sentido muito mais
amplo que o historicamente aceito. Se um grupo de poetas que conhecemos como
“Geração mimeógrafo” parece ter se auto-empossado do termo, ou mesmo se passou
a ser reconhecido contra a sua vontade como o grupo oficial dos “poetas
marginais”, por antonomásia, temos inúmeras razões para expandir o uso desta
expressão, tornando-a um conceito mais amplo, ou de aplicar o conceito de
marginalidade a toda poesia feita com base nas evoluções do gênero artístico.
Tal
grupo, setentista e oitentista, possuía uma certa unidade formal (ou informal),
escrevendo praticamente todos dentro de um mesmo estilo, e se concentrava no
centro do país, principalmente no Rio de Janeiro. É fato, no entanto, que o
poeta marginal da época atuou também fora daquele circuito e da ponte aérea
Rio-São Paulo, conforme já havia comentado Glauco Mattoso. Daí que muitos
poetas produziram de forma “marginal” trabalhos em diferente estilos, sob as
mais diversas influências. Poderia-se dizer que a poesia marginal foi uma
necessidade imposta pela ditadura e que ocorreu sob diversas maneiras de
escritura ao longo do país. Posso citar poetas que foram marginais fora daquele
círculo, escrevendo de forma muito diferente daqueles mais conhecidos na épocva,
como Ronald Augusto do Rio Grande do Sul, que hoje dispensa apresentações, poeta
que perambulou também pela Bahia, e Bento Nascimento, em Santa Catarina, que
sempre viveu na mesma residência, na cidade de Itajaí, até seu falecimento em
1993, e publicou apenas um livro em vida, em parceria com o professor e poeta
Antônio Carlos Floriano (Celacanto, 1989). Praticando a divulgação da poesia
via cartaz, por exemplo, Bento desenvolvia um estilo às vezes próximo de um
Manuel Bandeira, “uma estética ao natural”, raras vezes uma dicção
drummondiana, algumas vezes se percebem ecos de uma poesia filosófica à moda de
Pessoa, às vezes era econômico como Oswald. Enfim, marginal como fosse,
procurou aprender tudo que era possível do verdadeiro modernismo brasileiro:
quando vou ao supermercado
em sua companhia
a cidade aprende alegria
arroz, fósforo
café
em sua companhia
a cidade aprende alegria
arroz, fósforo
café
....
Exercito a minha sina
adiando os compromissos.
Dou sumiço em certas responsabilidades,
engaveto problemas e fico horas sem tempo para nada.
A vida é um anzol, vivo com água na boca.
Dou sumiço em certas responsabilidades,
engaveto problemas e fico horas sem tempo para nada.
A vida é um anzol, vivo com água na boca.
...
Ivo tinha uma campina de cravos
na cara.
Tinha época que
aquilo se dilatava
arroxeava..
e eram mais
crisântemos.
Ivo nunca ganhou
uma rosa
e muita coisa que
sentia
nunca floresceu
para o mundo.
Tudo ficou à flor
da pele.
Como podemos notar, a qualidade do
trabalho de um poeta, nos anos ainda posteriores àqueles chamados “anos de
chumbo” da ditadura militar de 1964, não garantiam a sua publicação, no caso de
Bento a maior parte dos seus poemas sendo publicados em livro apenas após a sua
prematura morte.
. Findo
o momento da chamada Geração Mimeógrafo, muitos poetas, intelectuais,
cartunistas, etc., sem conseguir publicar os seus trabalhos de outra forma, e
ainda diante da censura do regime de 64, passaram
a produzir e distribuir os chamados “fanzines”, muitos deles
especializados em poesia, embora estivessem se apropriando de um termo mais
relacionado às histórias em quadrinhos, vindo de “fã”, sendo os primeiros
fanzines criados por fãs de das chamadas HQ. Estes fanzines ou “zines”, indo
mais adiante, continuavam sendo feitos em mimeógrafos na década de
80, e em reprografia, principalmente, em seguida. O catarinense Bento Nascimento,
acima citado, por exemplo, foi muito publicado, mesmo que às vezes não tivesse
conhecimento do fato, em fanzines de toda a região sul. Durante os anos 90, já
afastados do espectro da ditadura militar, embora ainda convivendo com as
mazelas daquele período nebuloso, os fanzines continuaram a produzir uma
cultura autônoma, independente, porém agora fora dos meios “usuais” de
publicação mais por motivos econômicos ou por falta de oportunidades do que
políticos, propriamente, apesar de ser provável que a opção política de um
indivíduo possa levá-lo, muitas vezes, à carência de meios.
Observemos que o fenômeno de buscar formas alternativas de publicação,
como fizeram estes tantos marginais brasileiros, não é nada novo e
se configura em escala internacional, normalmente em função de repressão
política, como foi o caso também do samizdat sob os regimes stalinistas da
Europa Oriental. Na época, década de 1950, apesar da tentativa de Nikita
Khrushchov de abertura no
degenerado regime soviético, ocorreu uma reação negativa por parte de outras
autoridades e, voltando a forte censura do regime de Stálin, toda a literatura
proibida passou a circular através de cópias datilografadas ou manuscritas,
gerando desta forma, no leste europeu, toda uma literatura publicada e distribuída
pelos próprios autores, que esperavam que aquele que recebesse uma cópia de um
livro fizesse outra cópias e as repassasse a outros leitores. Autores como o
Nobel de Literatura de 1987, Joseph Brodsky, por um longo período, necessitaram recorrer
ao samizdat como única forma de publicar os seus livros.
Já
a tradição da procura de vias alternativas no Brasil para a produção e
distribuição cultural permaneceu até que a internet se consolidasse como
tecnologia e veículo de comunicação estável, fato que não se deu antes do final
dos anos de 1990, e que teria proporcionado aquele “boom” da poesia de que nos
falou Régis Bonvicino, ou, reitero, apenas trouxe à tona aqueles
poetas ou proto-poetas que estavam no completo ou quase completo anonimato.
Evidentemente, da mesma forma que já ocorria com os “zines” dos anos 80 e 90,
vieram a aparecer poetas que, no geral, produziam e produzem um trabalho de
baixa qualidade, porém agora procurando um espaço de divulgação ou
mera expressão em meio a um verdadeiro caos informacional, uma muito maior
babel do que aquela da época em que a poesia independente dos marginais
circulava de mão em mão.
Em meio
à confusão de conceitos desta multiculturalidade de uma já megalópole chamada
poesia onde, queiramos ou não, temos que conviver todos os poetas, por mais
diferentes que sejamos uns dos outros, desde que Platão conseguiu de fato o seu
intento de nos expulsar da sua ideal república, o conceito de poesia marginal,
como vemos, poderia ser ampliado ainda mais. Então, o que é poesia
marginal? Uma velha pergunta, mas que importou a poucos literatos, título de um
único livro, bastante singelo. Talvez este quadro de pobreza teórica com
relação ao conceito de “marginalização em poesia” mudasse se estes mesmos
literatos pudessem perceber que a poesia, bastando para isso ser um pouco mais
complexa em sua linguagem, seu modo de comunicar, bastando que ela seja ímpar,
mesmo sem pertencer a nenhuma tendência de “vanguarda”, começa a correr o risco
de se tornar um produto cultural marginal. Aliás, pensando na analogia com
Platão, acima exposta, logo concluiremos que toda a poesia pode ser considerada
um produto cultural marginal na história mais contemporânea.
Aqui,
já temos concluído que não se pode aplicar o “rótulo” de marginal à poesia
produzida somente pelos autores mais conhecidos dos 26 poetas hoje de 1975. Que
conceito amplo de poesia marginal poderíamos forjar , desde que isto seja
relevante? Numa época de internet como tecnologia estável e plenamente
funcional não é difícil mostrarmos nossa poesia ao mundo, e isto nos dá aquela
impressão citada por Régis Bonvino de que vivemos uma explosão nesta área, uma
proliferação de poetas, em quantidade,
não em qualidade. É o fato de não publicar em livro que cria um
poeta marginal, então? Também não creio. O livro de poesia, hoje, no Brasil,
conforme já sabemos, não atinge o grande público e, no passado, poucos poetas
atingiram tal façanha.
Só
para ficar no estado do Rio Grande do Sul, onde vivo, temos o caso recente de
um poeta que produziu um trabalho em livro bastante interessante (Minuto
diminuto, 1990), chamado Flávio Luís Ferrarini. Muito elogiado por alguns
críticos, como o controvertido José Paulo Paes em seu “Os perigos da poesia e
outros ensaios(1997)", o poeta conseguiu criar bons poemas,
fora dos padrões mais comuns da poesia mais conhecida, porém vivendo em certo
isolamento geográfico, longe das nossas “arcádias literárias”, na
cidade de Flores da Cunha, e hoje se volta mais para a crônica de jornal,
trabalhando em jornais pequeno do interior do Estado. Esta é, aliás, uma
tendência de poetas que produzem um trabalho diferenciado, partir para outras
áreas de atuação. Há, inclusive, aqueles que abandonaram a poesia sem haver
publicado um poema sequer, indo trabalhar nas mais diversas áreas, e não
devemos nos surpreender se encontrarmos um gênio da poesia trabalhando, por
exemplo, como vigilante noturno, como foi o caso do revolucionário poeta russo
Velimir Khlébnikov. Ou mesmo na cadeia, como um Villon. O trabalho de
Ferrarini, certamente, é um destes trabalhos que não teve uma repercussão
crítica merecida e, naturalmente, em se tratando da sua poesia, não teve o
retorno comercial devido (embora, diante de tudo que exponho, eu já possa me
perguntar se a poesia deva se transformar em um produto vendável).
Sem
considerar as proporções de cada um, Flávio Luís Ferrarini, que era ou é um
poeta promissor, pode se sentir como um Mário Quintana sonhando em participar
da ABL, mas sendo rejeitado por algum motivo insabido que não tem relação com a
qualidade literária, pois Ferrarini espera por um maior reconhecimento e, mesmo
que possa ser considerado por um leitor atento como um poeta
menor (se pensarmos nos maiores), está muito longe da mediocridade
que verte aos milhares em páginas de outros livros e da internet, como podem
atestar tais versos, de minuto diminuto:
As casas na cidade pequena
São vacas deitadas à sombra
As ruas são cobras tristes
Esticadas ao sol
Na cidade pequena as línguas
São enxadas que carpem intimidades
Como cobras tristes
Tristes como as vacas deitadas
Na cidade pequena as intimidades
São roupas esticadas no varal
Confissões de pequenas cobras
Sobre as vacas deitadas
Os rostos na cidade pequena
São molduras tristes
Como cobras à sombra
Das janelas das vacas deitadas
Na cidade pequena são os postes
Que vigiam as cobras das vacas
Se a língua neles encosta
Os postes desabam
Desabam os postes na cidade
Pequena de vidas menores
Sobre as cobras tristes
À sombra das vacas deitadas
(Cidade Pequena, Minuto Diminuto, 1991)
Ou estes:
quem deixa de andar corcunda
quem deixa de vazar inunda
quem deixa de nadar afunda
quem deixa de procurar redunda
Mais emblemático é o caso de Tyrteu Rocha Vianna, desde a década de
20 praticante de um futurismo-regionalista-antropófago oswaldiano no Rio Grande
do Sul, enquanto os grupos fechados de literatos, aquele tipo de arcádia ao
qual me referi, praticavam uma poesia de cunho ainda simbolista ou,
posteriormente, simplesmente regionalista (mesmo que de qualidade),
pouco ou nada aproveitando dos recursos novos trazidos pela literatura de
vanguarda. Lembrando que o simbolismo praticado pelos gaúchos talvez
desconhecesse os avanços em termos de substancialidade da linguagem e inovação
sintática praticados por um Mallarmé, enquanto os poetas regionalistas
rio-grandenses não possuíam o ouvido atento às estruturas sintáticas
entrecortadas da oralidade, reproduzidas na prosa regionalista do sul por
Simões Lopes Neto e, posteriormente, por Guimarães Rosa, em âmbito nacional. Tyrteu
publicou apenas um livro, em 1928, Saco de Viagem, em uma tiragem de
DEZ EXEMPLARES! Ali publicou poemas como estes, mais próximos da face mais
radical do modernismo de 22:
No açude grande
O morador D. Jacaré
Papava
As ninhadas cuidadas
Das marrecas
Ladrão assassino de gansinhos tenros febronial
11 palmos de boca a rabo
Feitos de assaltos plumitivos de engordar
Couro de pedra ferro
Rabo de serrote humano
Eu peguei na Mauser
E a minha prima me pagou
O doce de côco apressado
Da aposta duvidada de matá-lo
Eu amanheci cá em casa com saudades de ler
Os construtores de ponte de Rudyard Kipling
E me esfolei na viagem a cavalo
O tiro foi bem no
olho
(Pontaria, em “Vontades de versos futuristas”, primeira parte de Saco de Viagem)
Em que lugar que mora a Mãe d'Água mamãe
É lá na fonte da vovó
Como é que ela é
É uma mulher bonita de cabelo verde
Corpo de peixe vestida de estrelas rabuda
Porque é que eu não vejo ela
É porque ela não se mostra aos meninos
Que tiram ranho do nariz com os dedos
E durante todo o tempo em que
Eu podia crer na vida da Mãe d'Água
O meu nariz foi o único culpado
Dela não ter me aparecido
(Mau hábito, em “Vontades de versos futuristas”, primeira parte de Saco de Viagem)
Tenho um particular apreço pelo
segundo destes dois poemas, que me faz lembrar de Simões Lopes Neto, Guimarães
Rosa, Oswald de Andrade e ainda e.e. cummings, embora toda a obra de Tyrteu
Rocha Vianna apresente exemplos surpreendentes. Se lembrarmos que, a rigor,
somente são conhecidos dois poetas autenticamente vinculados ao Manifesto Antropofágico(Oswald e Raul Bopp), este seria o terceiro nome a incluir no rol deste
grupo, ainda que não tenha publicado um só poema na Revista de Antropofagia.
O
nosso obscuro poeta Tyrteu, embora controvertido, foi brevemente apreciado e
elogiado em livro de 1930 por Tristão de
Athayde (Estudos, 3ª série, vol. I,
p.52, cf. Itálico Marcon). Escreveu uma poesia nova em relação aos
seus conterrâneos gaúchos, mesmo vivendo em uma minúscula cidade isolada e com
cerca de 5 mil habitantes, conforme informação contida em poema do próprio
Tyrteu. Tendo publicado um único livro, com inspiração futurista desde a capa,
em tiragem de apenas 10 exemplares, não se têm notícia de mais nenhum poema seu
publicado, nem de que tenha restado outra obra sua, além de um único poema
intitulado “Versos para um tordilho chamado Maomé”, que apareceu no
jornal “Cadernos do Extremo Sul”, na cidade de
Alegrete, já no ano de 1959. Rejeitado por sua época e lugar,
inclusive pela maioria dos seus “pares”, é possível que Tyrteu tenha sido
julgado então por sua pessoa, não por sua poesia. Sendo admirador e
influenciado por Oswald de Andrade e Raul Bopp, no entanto, combateu ao lado de
Getúlio Vargas na Revolução de 30.
Não
participava de nenhum grupo de poetas da capital Porto Alegre (embora tivesse a
admiração de alguns escritores como Érico Veríssimo), era alcoólatra, tinha os
dedos marrons devido ao tabagismo desesperado, tinha hábitos estranhos como o
de pagar a um sujeito para que este o deixasse soqueá-lo no rosto, por pura
diversão, e, por fim, morreu muito pobre, tendo perdido uma enorme fortuna
herdada, necessitando mendigar e viver de favores em alguns momentos mais
difíceis de sua vida. Naturalmente, se aqui criticássemos o poeta por este ou
aquele ato em sua vida, nossas palavras não poderiam ser levadas à sério. Uma
concepção de Ezra Pound, que muitos julgarão fundamental, e que foi
materializada em seu ABC of Reading, como
todas as demais referências ao poeta-crítico feitas neste ensaio, é a de que
“reconhece-se facilmente o mau crítico quando este começa a julgar o poeta, não
sua poesia”. Ou seja, Tyrteu foi um “maldito”, assim como foi Qorpo-Santo,
também autor de poemas, que aqui preferiremos não comentar, para que este
ensaio (ou crônica) não se torne em um longo painel de malditos, que poderíamos
encontrar em outros lugares do Brasil. E o que é o maldito senão alguém que
pode ser considerado um marginal? Rimbaud o foi no seu tempo.
E
poderíamos ampliar ainda mais o conceito de poesia marginal se incluirmos a
poesia dos “alienados”, dos “loucos”, fazendo uma relação com a
internacionalmente chamada “arte marginal”; ou dos ditos “primitivos”,
excluídos, a priori, do mundo da distribuição de “bens culturais” e que pode gerar
poetas muito interessantes, como o guatemalteco de origem maia quiché, Humberto
Ak'abal, pertencente a uma cultura que é, toda ela, marginal.
O
que talvez ocorra, é que a fase histórica do livro de papel pode estar chegando
a um certo esgotamento, embora não possamos considerar isto, exatamente, o fim
da “Galáxia de Gutenberg”. Outro dia, em breves palavras que tive a
oportunidade de trocar com o poeta porto-alegrense Ricardo
Silvestrin, atualmente também presidente do IEL (Instituto Estadual
do Livro) no RGS, comentei a pouca valia em publicar-se um livro de poesia
hoje. Certamente o colega, embora tenha a nobre intenção de difundir o uso do
livro, compreende bem o que quero dizer, pois publicou um livro de poemas
intitulado “O menos vendido”. O título me lembra aquele poema de e. e.
cummings, do homem que “não tinha renda porque não estava à venda”,
na tradução de Augusto de Campos. Aliás, como se pode notar já pelo
título do citado livro, Silvestrin parece fazer uma linha “leminskiana”, embora
jamais possa ser considerado um poeta medíocre, muito pelo contrário, o que não
se pode dizer da maior parte dos poetas “seguidores” de, ou fortemente
influenciados por Leminski, concordando com o uso que Paulo Franchetti fez em
recente ensaio sobre o poeta curitibano, o qual lançou mão do termo
sub-leminskis para estes poetas, embora eu preferisse o termo pseudo-leminskis
para os “maus leminskianos” (Leminski e o haicai, publicado em livro organizado
por Marcelo Sandmann para a Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, em 2010,
e mais recentemente em meio eletrônico pela revista Sibila).
Ricardo
Silvestrin, um outro caso de autor “buscando alternativas”, porém de outra
forma, fugindo da marginalidade, é um autor de bastante projeção, considerado o
quadro miserável que estamos aqui expondo. No entanto, será mais conhecido pelo
público por praticar a literatura infantil, mais vendável, ou por seu trabalho
talvez pioneiro de fazer uma crítica literária “pop” em estações de rádio. Ou
ainda por ter sido, um dia, o presidente do IEL, ou quiçá por vir a tornar-se
governador do Estado, embora o futuro não possamos prever. E tudo isso me
parece um mero desperdício de talento para a boa poesia.
Sucesso e
marginalidade da poesia tomando um avião do Brasil para o exterior e voltando.
Já há pelo menos 10 anos descobri com tristeza
que nas livrarias “o acervo de literatura não se renova. O leitor de poesia
sumiu”, conforme palavras que ouvi de um livreiro. Na Feira do Livro de Porto
Alegre, considerada a maior feira do livro ao ar livre do Brasil, somente se
encontrará livros de poemas de um ou dois poetas atuais que tenham conseguido
montar uma estrutura de marketing superior. Se tivermos sorte e paciência.
Clássicos, ½ dúzia, provavelmente de livrinhos de bolso, se tanto; um ou dois
de algum eterno ícone da juventude, com certeza, de bolso: um Rimbaud ou um
Allen Ginsberg. Nem mesmo nos chamados balaios onde o povo se acotovela
procurando as promoções, livros normalmente usados e chamados de “saldos”, não
será fácil encontrar um bom livro de poemas: quando os têm na livraria, o
livreiro não se dá ao trabalho de carregar um peso-morto para a feira. Na
realidade, nem mesmo os poemas de Leminski. Às vezes, escondidos dentro da barraca
haverão alguns outros, se você perguntar ao vendedor.
Mesmo
na seção internacional da Feira, das livrarias e editoras estrangeiras, você
poderá encontrar (com dificuldade) algum clássico, nunca uma novidade, ou algo
que se assemelhe a uma novidade. Dois casos exemplares: na “barraca” de uma
editora portuguesa, cujo proprietário é poeta, o único livro de poesia para
vender era um pesadíssimo tomo que parecia ser a sua obra completa. Já na
“barraca” de outra editora, esta brasileira, pertencente a um neto de um famoso
poeta, somente havia uma (belíssima) edição da obra do avô ilustre,
provavelmente como forma de homenagem, além de um livrinho com o preço mais
irrisório que encontrei, porque estava encalhado. Eu o teria distribuído gratuitamente.
Tudo
isto me faz pensar em um texto curto escrito por Moacir Amancio,
poeta, jornalista e professor de hebraico, para o jornal O Estado de
São Paulo e publicado posteriormente na revista eletrônica Germina: Um poeta
critica a poesia. O título pode parecer um pouco “marqueteiro” também, coisas
de jornal, porém é um relato e uma crítica muito informativa, daqueles que não
costumamos encontrar nos grandes veículos de informação. Transcrevendo-o,
o artigo começa assim: “Nova York — "Onde fica a seção de poesia?" A
resposta do vendedor da livraria numa esquina da 5ª. Avenida:
"Infelizmente não temos uma seção de poesia, a poesia aqui está na
pior." Porque não vende, claro. "É, porque não vende. Aqui só tem
espaço para o lixo popular."
Tentando
buscar um equivalente para um poeta tipo Allen Ginsberg, o poeta-ícone de uma
época, “o mais vendido”, sem ironias, aquilo que Amancio chamou de “o poeta
federal” dos EUA, o nosso poeta-jornalista encontra-o não inserido
nos meios de comunicação de massa, afirma que ele "está longe do
noticiário, das fofocas literárias”, e que este se chama John Ashbery, nascido em 1927, 57
anos de idade quando a crônica crítica foi publicada. No texto de
Amancio encontra-se a seguinte pérola pronunciada por Ashbery: "Eu tenho
sido descrito como o poeta americano de maior sucesso, mas a expressão poeta de
sucesso parece contraditória, como uma capacidade negativa. A poesia parece
envolver o fracasso, a celebração de uma situação falida". Considerando
que um autor como Stephen King, a cada livro, superava, então, a marca dos 500 mil
exemplares e comparando-os com o números do premiadíssimo campeão de vendas da
poesia norte-americana, o professor Amancio logo conclui que Ashbery seria um
“outsider”. Sendo Ashbery um poeta considerado “difícil”, “obscuro”,
pouco compreendido pelo público, de fato, podemos chegar ao objetivo principal
deste ensaio, se a poesia hoje sobrevive em nichos, podendo ser
considerada, toda ela, um trabalho marginal e (de certa
forma, já propusemos a pergunta), se em maior ou menor grau, porém
falando primeiramente em Brasil, nos dias atuais, a própria poesia não poderia ser
adjetivada de marginal, por marginalizada na nossa cultura, pois está fora
daquilo que Régis Bonvicino chamou, na entrevista que deu origem ao presente
texto, de “veículos mais institucionalizados – a televisão e o
jornal - de informação”. Por outro lado, podemos livrar-nos de velhos complexos
ditos tupiniquins, podendo observar que a falta de interesse do público pela
poesia não é privilégio nosso, de um país onde grassa o analfabetismo
funcional, também em graus variados, e em todas as classes
sociais. A mesma incapacidade de leitura e interpretação do texto
poético também ocorre, ou ocorria, em nível elevado, como já vimos, nos EUA, país que já
produziu e produz tantos poetas excelentes. Não foi Pound que publicou um
poema, há muito tempo, então, mencionando um editor que aconselhava ao poeta
parar de escrever poesia, porque isto não era rentável? Não foi e.e.
cummings que foi rejeitado por várias e várias editoras até conseguir sua
primeira publicação?
Em
verdade, a poesia, quando muito, é lida pelos poetas, isto é uma antiga
constatação minha referente ao Brasil, e que John Ashbery insinuou com relação à
realidade de seu país também, em outro momento. Ou seria pouco lida apenas a poesia mais complexa
que exigiria um leitor mais especializado? Aqui já descartando, é lógico,
aqueles que se enquadram mais perfeitamente na categoria de analfabetos
funcionais, e passamos a considerar que a poesia, desde que se pode afirmar que
uma poesia moderna, com certeza
elevada, conseguiu atingir um alto grau de sofisticação
em suas linguagens, embora esta evolução não tenha sido acompanhado por uma
população teoricamente alfabetizada, porém cada vez mais afeita a facilidades e
comodidades e cada vez mais passiva.
Podemos
entrar aqui no pensamento sobre poética elaborado por Maiakóvski, de que o
poeta não deveria rebaixar sua expressão à capacidade de compreensão de um receptor
incapacitado, e de que “antes se deveria elevar a cultura do
povo”. Maiakóvski pensava, então, que a produção de poesia se opera
em vários níveis para atingir a vários públicos; usa uma analogia com a
produção e distribuição de energia elétrica, considerando que alguns poetas são
“usinas”, enquanto outros seriam estações e subestações de uma rede. Tal
pensamento equivaleria, mais ou menos, à idéia poundiana de que há poetas que
são inventores, mestres, lançadores de moda, beletristas, bons escritores sem
qualidades salientes e, enfim, os diluidores,
conceito que aqui trataremos mais de perto.
Nas
palavras de Pound, diluidores, “Homens que vieram depois das duas primeiras
espécies de escritor (inventores e mestres, aparte meu) e não foram capazes de
realizar tão bem o trabalho”. Na ampla rede de distribuição de “energia
poética” imaginada pelo anteriormente comentado poeta russo, naturalmente o
conhecimento e a técnica daqueles que seriam “as usinas” (segundo Pound,
inventores e mestres) vão sendo simplificados até poderem chegar ao povo: não
há alguma espécie de qualificação com um sentido pejorativo como
aquele que Pound usa para os chamados “diluidores”. Ou seja, a diluição, para o
russo, é vista como um processo perfeitamente natural em uma sociedade socialmente
estratificada e demonstra, através de sua poesia, que tem consciência de que um
poeta-usina, por não ter exatamente um público-alvo contemporâneo, a não ser
alguns colegas próximos dele, pode estar escrevendo para gerações vindouras.
Isto fica claro em poemas como “Incompreensível para as massas” e “A plenos
pulmões”.
Falando
novamente em John Ashbery, este afirma, conforme informação de
Moacir Amancio ainda, que o mérito dos poetas da beat generation estaria “na
liberação da poética norte-americana e na divulgação da poesia”. Quer dizer que
o artista das letras passou, a partir do aparecimento dos beats, a ter maior
liberdade para criar, libertando-se daquilo que havia se tornado um punhado de
regras cerceantes desde Pound e Eliot, e na capacidade que a poesia beat teve
de atingir um grande público, ou um público maior.
No
sentido usado por Ashbery , o da “divulgação da poesia”, voltamos ao fenômeno
da poesia marginal dos 70 e 80, principalmente daquele grupo de poetas que ficou
conhecido como a “Geração Mimeógrafo”. Alguns dos poetas mais
conhecidos da chamada “Geração mimeógrafo”, se não todos, poderiam,
sem dúvida, serem considerados meros diluidores no sentido expresso por Pound.
Diluíram o modernismo de 22 e década de 30, utilizando-se do verso livre, da
piada, do lugar comum, do dito popular, do quase slogan, mas sem mexer muito,
sem inovar quase nada na estrutura sintática, produzindo algumas invenções,
normalmente ingênuas, e geralmente no tocante ao léxico. Provavelmente podemos
afirmar sem muitas objeções que o modernismo de 22 e seus imediatos
desenvolvimentos, que tiveram o seu fim (ou uma interrupção) quando se iniciou
a chamada 3ª Geração do modernismo brasileiro (que de modernista em poesia não
tem nada, mesmo podendo, logicamente, ser chamada de moderna, não
tendo mais do que dois ou três autores que poderiam usar o título de
modernistas, mas que só podem ser incluídos nesta geração por razões
cronológicas, como João Cabral e José Paulo Paes), podemos afirmar, dizíamos,
que aquele primeiro e verdadeiro modernismo brasileiro já era, no
geral, diluição do trabalho das vanguardas européias, ou quase tão somente do
espírito daquelas, já que algumas das suas novidades, como o verso livre e
branco, já não eram novidade para a Europa desde, talvez, Laforgue, e para os
EUA desde Walt Whitman. Portanto, a Geração Mimeógrafo poderia ser considerada
uma diluição da diluição. Isto equivale a visualizar a longa cadeia de
distribuição de “energia poética” se desenvolvendo através do tempo e da
história, mantendo a analogia de Maiakóvski mas,
seguindo ainda o raciocínio do poeta russo, não por este fato poderíamos dizer
que a poesia daquela geração é “ruim”. Ela, de fato, ao
menos, não prestou um serviço ruim à Nação, tendo incluído na pauta de muitas
conversas, mesmo que dispersas pelas ruas e bares, a tão marginalizada poesia.
Está no mesmo pé que a Geração Beat nos EUA, pelo engendramento de um público e
pela liberação da poesia de certas regras, inclusive de algumas
inovações que já haviam se institucionalizado como tal para alguns poeta e
teóricos, o que abriu caminho para o último poeta brasileiro de grande apelo
popular, Leminski, inovador da dureza concreta e aperfeiçoador da habitual
“frouxidão” da Geração Mimeógrafo.
À
guisa de conclusão, se quisermos considerar a relação da palavra
“marginalidade” com a palavra “poesia”, podemos afirmar que a marginalização
não é um fenômeno novo entre os poetas, inclusive entre os bons poetas. Podemos
dizer, na verdade, que a poesia maldita, ou a poesia “incompreendida pelas
massas”, por exemplo, são duas formas comuns e antigas de poesia marginalizada,
produzida por poetas marginalizados. A marginalização sempre houve para certa
poesia.
Na
verdade, quando criticamos negativamente uma poesia por a considerarmos
marginal, ou quando a criticamos por não poder atingir um grande público e
estar restrita a “nichos”, estamos esquecendo e desprezando poetas como
Fernando Pessoa, Rimbaud e Khlébnikov, que somente obtiveram reconhecimento de
público depois de mortos, embora reconhecidos por alguns pares seus.
Esquecemos
que a comunicação é uma via de mão dupla, e que também a competência
linguística do receptor interfere nesta. No caso destes últimos
autores citados no parágrafo anterior, todos nós podemos afirmar, hoje, à luz
do tempo, que o problema na comunicação não provinha do emissor das mensagens,
sendo Pessoa, agora, tomando-o como exemplo nosso, perfeitamente compreensível
para qualquer leitor de língua portuguesa. Mesmo sendo considerado unanimemente
um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos tempos e tendo sido
incompreendido pelo público do seu tempo.
No
nosso suposto boom da poesia via internet, há poetas para todos os leitores,
inclusive poetas medíocres para leitores medíocres. E talvez, aí, possamos
ainda encontrar um outro “supra-Camões”, que não seja o velho e sempre novo
Pessoa.
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_____________. Ser drummondiano equivale à morte. Entrevista de Régis Bonvicino a Paulo Werneck (editor da Ilustríssima, 23 de outubro de 2011).
_____________. Tantas Máscaras (Reconhecimento de uma Nova Poesia Brasileira).
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