O luxo do lixo merz dos Commerz Und
Privatbank: a poesia do que resta e que
se faz da reciclagem do lixo da linguagem verbal.
DeCOmPOsiçÃO
Hare Krishna,
Hare Krishna
Os teus olhos azuis cantando
me
dizem
pra eu ser feliz na minha, e eu
desiludido penso eu queria
ser feliz na minha tua.
Eu já tive lindas, lindas flores, lindas
nos meus vasos de
(flores da) vida que murcharam
como as orelhas do burro cor-de-burro-
quando foge, foge de tudo. Eu-brusco busco não ser apagado
da memória
do
mundo com
uma borracha com cheirinho de morango - E rodo
rumba, mambo,
baiana, - un tango, - quanto? ó
mundo
do dodó extinto, nós os dinossauros.
Eu-só
não quero sumir
assim não, mas sim
ficar nos murais,
nos muros, vitrôs coloridos em flor
que vão ficando pretos, e chumbo,
de efeito
numa estufa, nós num nazi-forno nozes.
Pobrezinho d`Eu que alimentei esperanças em mim e as
dissolvo, como
aos poucos, e decomponho as palavras, vá,
vá bene, parabolar
palavras boas, pra lá bolas parábolas,
palávroras palárbolas palárboles palárvores ou palárvoras
bene, palavras
novas, já, de jaca, jaca Hare
jaca H,
vá já.
Eu não, vou ficar pra lá, pra sempre - tu passar, tu passa,
passará na passeata
bólido enve(ne)nado vida
Tu no vácuo
Tu vai lá - lá, lá - tu vai lá, ninhum lugá - oh, alea jacta est, señorita,
de Hare Krishna, Hare Jaca-se, KH.
28/10/87
Um resultado triste
da não publicação e/ou divulgação adequada da boa poesia, é o fato de que,
poetas com afinidades estilísticas ou com alguns resultados semelhantes em suas
pesquisas formais acabem não se conhecendo, nem podendo desenvolver pesquisas
conjuntas. É o caso do que ocorreu entre mim e Ana Felícia Guedes Trindade: sem
que um tivesse conhecimento do trabalho do outro, terminamos redigindo estes dois poemas com características muito semelhantes formalmente.
Jean Lecomte du Nouy, L’Esclave blanche, 1888 |
QUARENTA MARGARIDAS
Amanheço mulher de quarenta
primaveras e
quarenta invernos tambémde quarenta
passarinhos e
quarenta mil sóis nascepondo, qua de
quatrocentos
amores e qua de quase tudo alegria.
Amanheço mulher de quarenta velinhas ede
tantos e tantos e tantos bolos que comi agora
fiquei doce.
Amanheço mulher de quarenta e quatro
mil sonhos,
cheia de céus e nuvens brancas na
cabeça e de
leituras de mundo e de redes e de rugas e de
águas
e toda florida e estampada qual frevo de
carnaval.
Amanheço mulher de quarenta projetos divinos e
qua de quase toda arco-íris , qua de quase
toda milharal ,
promessa de vida madura , qua de quase laranja
alaranjada de umbigo e cheia de caldo doce de
outono.
Amanheço mulher passageira de uma avenida
vida-ida-vinda-vida-ida-vinda-ida-vinda-advinda-vindaidaida-vida-vivida,
e fico ressuscivivida de tantas locomoções,
lo-com-moções, lo-com-emoções.
Amanheço com quarenta rodas e quarenta trilhos
e quarenta estradas.
Qua de quatro mil viagens e bagagens.Amanheço
com quarenta
veios d’água e qua de quase
embarcação.Amanheço correnteza
levando flores de laranjeira .
Ana Felícia
Guedes Trindade
O concurso “Poemas no ônibus” realizado pela
Prefeitura Municipal de Porto Alegre desde 1992 é uma tradição que já foi
copiada pelo metrô da região da cidade e por outras cidades e estados. Os
poemas vencedores, ou selecionados, são publicados em livro e expostos em
veículos de transporte coletivo que circulam pela capital, alternadamente com
poemas de alguns “famosos” da poesia. Os textos, naturalmente, têm limite de
tamanho e de grau de complexidade. Têm predominado, desta forma, um certo
leminskianismo, simploriedade, um fraco haicaismo e alguns ecos do último
grande nome da poesia gaúcha, Mário Quintana. Eventualmente, algum poema se
destaca por sua qualidade e inventividade. É o caso do poema acima, selecionado
na 16ª edição do concurso, escrito por Ana Felicia Guedes Trindade.
Ana Felicia Guedes Trindade é professora da Rede
Municipal de Porto Alegre e redondezas, trabalhando com Ensino
fundamental/médio, e é Doutoranda em Educação, na Linha Pessoa e Educação –
PUC-CAPES. Nunca publicou um livro de poemas.
MININOTACRÍTICA
*
DO USO DO QUA:
(COM
ELE A AUTORA PROMOVE) “a regeneração
das cargas de conteúdo (semântico) cujo princípio de estímulo é o próprio
esqueleto fonético da língua, num intercâmbio eletrizante de
sentido-som-grafia” tal afirmou H. de Campos sobre K. Scwitters em “A arte no
horizonte do provável”.
Aliás,
as semelhaças com a obra deste poeta não param por aí: no trecho
“vida-ida.........lo-com-emoções” são usados “os vocábulos incrustados uns
dentro dos outros, como Scwitters fazia, porém, não visando apenas à sua
manipulação pré-racional, mas já a um complexo de sentido desdobrado em
sucessivos outros, como fazia James Joyce”. (USO EM MINHAS OBSERVAÇÕES, ATÉ
AQUI, SEMPRE O AUXÍLIO DAS PALAVRAS DE HAROLDO DE CAMPOS)
No
trecho (ou estrofe, se preferirmos, embora este termo não me agrade) “Amanheço
mulher...”, a poeta consegue usar o recurso do estranhamento de que se fala
desde Baudelaire, porém alcançando um resultado cubista: o poema vinha em uma
sequência que “deveria”terminar na
palavra “bolos”. Para a nossa surpresa, a estrutura prossegue (que comi...) e
se transforma em outa, distinta daquilo que o texto fazia com que o leitor
esperasse. O uso parco, ponderado, que é feito da pontuação também gera um
excelente efeito cubista na relação entre vocábulos e “versos”(seria, p.ex., Amanheço
mulher ou Amanheço, mulher de quarenta primaveras)
Às
vezes, ainda, parece que o poema tende ao surrealismo: combinação de dois
vocábulos que nunca apareceram juntos (p.ex., amanheço correnteza), palavras
que deveriam ter outras posições em uma estrutura lógica convencional.
Tais
características distinguem o poema do simplismo predominante em concursos deste
tipo, na internet, nos jornajs, etc. Não me surpreende o fato de termos
encontrado um poema que parece ser de uma grande ou, pelo menos, boa poeta, mas
sim o fato de encontrarmos selecinado um texto de qualidade muito superior à
média dos publicados neste tipo de concurso, que tem seus méritos, que leva a
poesia à população trabalhadora, a qual realmente, se tomarmos um ônibus ou
metrô em Porto Alegre, poderá ser vista lendo e comentando poesia.
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