Como tenho dito
leio poesia como Jung ensinou
E estamos falando aqui da poesia de um certo Ronald Augusto
...
Bem, quanto a ler outros grandes autores, sempre entrei
armado
de muita crítica, muito estudo alheio
Assim, Pound era sempre fácil
Outros poetas, eram fáceis mesmo, mesmo uns grandes, como
cummings e Leminski
Ronald é grande
e Ronald é difícil
e protesto contra o quase silêncio da crítica sobre a sua
poesia
PORQUE há esse ss
na poesia de Ronald entro como em uma selva fechada
uma selva que assume, em certo sentido,
a marca do pós-moderno
outra coisa que ninguém me definiu a gosto
e contra isso não protesto
apenas respondo com silêncio
...
Por que chamo Ronald desfabro?
seria o seu trabalho um destrabalho, caótico, work in
progress?
logo concluo que não, não vamos perder tempo
obviamente
sua poesia renomeia
como toda que se preze poesia
para isto
é preciso desnomear
e aí começa o desfazimento
O no trabalho do poeta em si
segue-se E
sua poesia (verbal não-visual) não é uma desnarrativa
e é extremamente estruturada em sua linguagem
seu vocabulário é rico e inclui toda fonte linguística
possível
e nunca rejeita o passado em seu falar
sendo (a meu ver) vanguarda
ainda assim
essa definição que esmorece
bem como a do pós
que não tem antes
(ver Rothenberg:
como o vigésimo século perde
força
o décimo nono começa
de novo
é como se nada se passasse
embora aqueles que o viveram achassem
que tudo estava se passando
o bastante para nomear um mundo para & por um tempo
pegá-lo na sua mão
ilimitada a última quimera
como a máscara perfeita da defunção
o décimo nono começa
de novo
é como se nada se passasse
embora aqueles que o viveram achassem
que tudo estava se passando
o bastante para nomear um mundo para & por um tempo
pegá-lo na sua mão
ilimitada a última quimera
como a máscara perfeita da defunção
esqueçamos tais pseudo-eras por enquanto
nem voltemos ao assunto hoje
a aparência de caos da escrita de R.A. poderia vir da sua
sintaxe
cambiante
semelhante à sua imagética
somada à riqueza vocabular e neologística
já que
tudo em R.A. tem sentido
e seus poemas são mais fechados que abertos
não work in progress em um sentido de poemas inconclusos
mas em um sentido de que
fechados e bem-acabados
eles continuam trabalhando com nossas percepções
as possibilidades interpretativas parecendo mui previstas
pelo autor
sem previsibilidade para o leitor
ou seja
o dado ali é pouco
as repetições-bordões-refrões
quase inexistem
ou são sutilíssimas
Ronald busca ser novo a cada palavra
e assim
lança o leitor em um inferno de significações que se sucedem
a fim de criar
sempre o novo
ou seja
o DICHTEN=CONDENSARE poundiano encontra-se ali com uma
potência raramente vista
em outros
poetas ou ditos
e a repetição formal de Roman Jakobson aparece em forma
(quase sempre) discreta
como
em termos de sentido lógico pouco o poeta bate na mesma
tecla
: o sentido avança, avança e avança
sem capitular à recapitulação
primeiro
você está em atônita dúvida se uma palavra foi inventada
pelo autor
ou se (ela existindo) você apenas nunca a viu no dicionário
se “parpadear” existe ou se “espadamachado” existe
e depois
você compreende
e a imagem concentrada
(como outras que você já havia percebido imediatamente, de
acordo
com sua competência poética)
explode em sentidos, formas, cores, movimentos, sons
a sensação de um espelho opaco
que de súbito você vê
caleidoscopicar-se
em algo novo
tudo está significado
na língua complexa e própria do autor
e é dessa forma que o poeta vem a ressignificar
dessignificando
assim é que
R.A. é desfabro na nossa percepção
para chegarmos a um termo simples
arduamente fabro da nossa repercepção
que é a sua própria
a sua primitiva e primeira
despercepção/ repercepção
refeito o mundo no poema de Ronald
vamos então compreendendo
tropegamente
seu rediscurso em sua relinguagem
e é nosso mundo
desfeito/ refeito
POETA COMPLEXO, SIMPLES TERMO
...
(IN)certo capitão Ronald Augusto,
porque nunca sabemos onde seu discurso vai levar
até, enfim, chegar
e ele sempre chega
Ω
resta a você alcançá-lo
...
Pra encerrar
como este é um blogue que tem por princípio
publicar boa poesia - não falatórios inconclusos
mostro algumas das provas de que
em Porto Alegre
está um dos grandes poetas vivos da língua portuguesa,
independentemente da qualidade de minhas desanálises:
POEMAS DE RONALD
AUGUSTO
Poema 5 de “No assoalho duro”
primeiro
pode ser que um homem se chame pinheiro
pode ser que este homem se mova
entre pinheiros se
comova de vê-los
se é que é possível estar atento
a qualquer coisa que se mova enquanto o vento
no coque dos pinheiros calmo
geme como se
se prestasse a seda sendo
arrastada através de um espinheiro
segundo
que um homem se inscreva ao ouvir
o chamado: pinheiro
não é de arrepiar os cabelos
nem de pelar pinheiros
para que vento não se perceba em parte
alguma e algum vendo-o
ave empalhada em ramo tateante
não se detenha siga
rumo ao monte
***
Poema 6 de “No assoalho duro”
caminho cerrado trecho de via interior
mergulho por escadaria
meus faróis disparam um túnel na treva porosa
fachopaco não alcanço nunca a desembocadura
ao longo
pegadas no arco dessa não-parede
impregnada de úmida música muda
pequenas solertes pessoas
só olhos flutuantes
lagartixas de cera
***
Poema 5 de “No assoalho duro”
primeiro
pode ser que um homem se chame pinheiro
pode ser que este homem se mova
entre pinheiros se
comova de vê-los
se é que é possível estar atento
a qualquer coisa que se mova enquanto o vento
no coque dos pinheiros calmo
geme como se
se prestasse a seda sendo
arrastada através de um espinheiro
segundo
que um homem se inscreva ao ouvir
o chamado: pinheiro
não é de arrepiar os cabelos
nem de pelar pinheiros
para que vento não se perceba em parte
alguma e algum vendo-o
ave empalhada em ramo tateante
não se detenha siga
rumo ao monte
***
Poema 6 de “No assoalho duro”
caminho cerrado trecho de via interior
mergulho por escadaria
meus faróis disparam um túnel na treva porosa
fachopaco não alcanço nunca a desembocadura
ao longo
pegadas no arco dessa não-parede
impregnada de úmida música muda
pequenas solertes pessoas
só olhos flutuantes
lagartixas de cera
***
Raul Gusmão define-se pelo novo
nossos antigos desde muito pernósticas
barbatanas no estígio sorviam pérolas
dissolvidas em vinagre
não eram lá de palato muito fino
e a extravagância nada significava
eu pratico
rendilhados de prata e ouro onde
não há sequer
limalha de ouro migalha alguma
que disfarce a prata barata
da casa
e bebo a verde esmeralda salut
cifra da mater natura num
frasco de bolso a meio de xerez
em troca
da pérola mórbida doença afecção
a que me afeiçôo de um marisco
moribundo
no acre vinagre bebo
o revirente dos prados
a buliçosa reboada das
palmeiras
o friúme dos perfumes
tudo o que no vale
tudo que o verde (moitas manietando
aramados) veda
ao simiótico colhedor de
açafrão
porto alegre/salvador,1989
(publicados em "No assoalho duro")
nem a
grande porém
ciumenta
amiga
nem a mãe
extremosa
nem
salteadores emboscados
obstarão
o precipitar-se
do
enamorado
na
direção daquela
que é a
razão dos seus cuidados:
oito
horas e meia de viagem
dentro de
ônibus em noturna via
sem
conseguir esboçar pose
ajustada
à vinda do sono
onde
deparar maior vassalagem?
mas a
paga após todo transe
(rapadura
de cereais cobertor
curto
e-mails) vivido nesta morte
de
aquém-núpcias será
a
carnação do seu sorriso
vertendo
revérberos de vinho
na ânfora
dos meus beiços
(Poema
publicado por Ronald Augusto em POESIACOISANHEMUMA http://poesiacoisanenhuma.blogspot.com/
20/12/2010).
Homenagem por Adriandos Delima
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