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sábado, 1 de janeiro de 2011

Ronald Augusto: Il miglior (des) fabbro 3: nota semi-explicativa para a poesia de 1 e 2.

 

*

Como tenho dito
leio poesia como Jung ensinou

E estamos falando aqui da poesia de um certo Ronald Augusto

...

Bem, quanto a ler outros grandes autores, sempre entrei armado
de muita crítica, muito estudo alheio

Assim, Pound era sempre fácil
Outros poetas, eram fáceis mesmo, mesmo uns grandes, como cummings e Leminski

Ronald é grande
e Ronald é difícil
e protesto contra o quase silêncio da crítica sobre a sua poesia

PORQUE há esse ss
na poesia de Ronald entro como em uma selva fechada

uma selva que assume, em certo sentido,
a marca do pós-moderno

outra coisa que ninguém me definiu a gosto

e contra isso não protesto
apenas respondo com silêncio

...

Por que chamo Ronald desfabro?
seria o seu trabalho um destrabalho, caótico, work in progress?
logo concluo que não, não vamos perder tempo

obviamente
sua poesia renomeia
como toda que se preze poesia
para isto
é preciso desnomear
e aí começa o desfazimento
O no trabalho do poeta em si

segue-se E
sua poesia (verbal não-visual) não é uma desnarrativa
e é extremamente estruturada em sua linguagem

seu vocabulário é rico e inclui toda fonte linguística possível
e nunca rejeita o passado em seu falar
sendo (a meu ver) vanguarda
ainda assim

essa definição que esmorece
bem como a do pós
que não tem antes
(ver Rothenberg:


como o vigésimo século perde força
o décimo nono começa
de novo
            é como se nada se passasse
            embora aqueles que o viveram achassem
            que tudo estava se passando
            o bastante para nomear um mundo para & por um tempo
            pegá-lo na sua mão
            ilimitada    a última quimera
            como a máscara perfeita da defunção


esqueçamos tais pseudo-eras por enquanto
nem voltemos ao assunto hoje


a aparência de caos da escrita de R.A. poderia vir da sua sintaxe
cambiante
semelhante à sua imagética
somada à riqueza vocabular e neologística

já que
tudo em R.A. tem sentido
e seus poemas são mais fechados que abertos
não work in progress em um sentido de poemas inconclusos
mas em um sentido de que
fechados e bem-acabados
eles continuam trabalhando com nossas percepções
as possibilidades interpretativas parecendo mui previstas pelo autor
sem previsibilidade para o leitor

ou seja
o dado ali é pouco
as repetições-bordões-refrões
quase inexistem
ou são sutilíssimas
Ronald busca ser novo a cada palavra
e assim
lança o leitor em um inferno de significações que se sucedem a fim de criar
sempre o novo

ou seja
o DICHTEN=CONDENSARE poundiano encontra-se ali com uma potência raramente vista
em outros
poetas ou ditos

e a repetição formal de Roman Jakobson aparece em forma (quase sempre) discreta
como
em termos de sentido lógico pouco o poeta bate na mesma tecla
: o sentido avança, avança e avança
sem capitular à recapitulação

primeiro
você está em atônita dúvida se uma palavra foi inventada pelo autor
ou se (ela existindo) você apenas nunca a viu no dicionário
se “parpadear” existe ou se “espadamachado” existe
e depois
você compreende
e a imagem concentrada
(como outras que você já havia percebido imediatamente, de acordo
com sua competência poética)
explode em sentidos, formas, cores, movimentos, sons
a sensação de um espelho opaco
que de súbito você vê
caleidoscopicar-se
em algo novo

tudo está significado
na língua complexa e própria do autor
e é dessa forma que o poeta vem a ressignificar
dessignificando

assim é que
R.A. é desfabro na nossa percepção
para chegarmos a um termo simples
arduamente fabro da nossa repercepção
que é a sua própria
a sua primitiva e primeira
despercepção/ repercepção

refeito o mundo no poema de Ronald
vamos então compreendendo
tropegamente
seu rediscurso em sua relinguagem
e é nosso mundo
desfeito/ refeito

POETA COMPLEXO, SIMPLES TERMO

...

(IN)certo capitão Ronald Augusto,
porque nunca sabemos onde seu discurso vai levar
até, enfim, chegar

e ele sempre chega
Ω

resta a você alcançá-lo

...

Pra encerrar
como este é um blogue que tem por princípio
publicar boa poesia - não falatórios inconclusos
mostro algumas das provas de que
em Porto Alegre
está um dos grandes poetas vivos da língua portuguesa,
independentemente da qualidade de minhas desanálises:



POEMAS DE RONALD AUGUSTO


Poema 5 de “No assoalho duro”

primeiro
pode ser que um homem se chame pinheiro
pode ser que este homem se mova
entre pinheiros se
comova de vê-los
se é que é possível estar atento
a qualquer coisa que se mova enquanto o vento
no coque dos pinheiros calmo
geme como se
se prestasse a seda sendo
arrastada através de um espinheiro

segundo
que um homem se inscreva ao ouvir
o chamado: pinheiro
não é de arrepiar os cabelos
nem de pelar pinheiros
para que vento não se perceba em parte
alguma e algum vendo-o
ave empalhada em ramo tateante
não se detenha siga
rumo ao monte

***

Poema 6 de “No assoalho duro”


caminho cerrado trecho de via interior
mergulho por escadaria
meus faróis disparam um túnel na treva porosa
fachopaco não alcanço nunca a desembocadura

ao longo
pegadas no arco dessa não-parede
impregnada de úmida música muda
pequenas solertes pessoas
só olhos flutuantes
lagartixas de cera


***

Raul Gusmão define-se pelo novo


nossos antigos desde muito pernósticas
barbatanas no estígio sorviam pérolas
dissolvidas em vinagre
não eram lá de palato muito fino
e a extravagância nada significava

eu pratico
rendilhados de prata e ouro onde
não há sequer
limalha de ouro migalha alguma
que disfarce a prata barata
da casa

e bebo a verde esmeralda salut
cifra da mater natura num
frasco de bolso a meio de xerez
em troca
da pérola mórbida doença afecção
a que me afeiçôo de um marisco
moribundo

no acre vinagre bebo
o revirente dos prados
a buliçosa reboada das
palmeiras
o friúme dos perfumes
tudo o que no vale
tudo que o verde (moitas manietando
aramados) veda
ao simiótico colhedor de
açafrão


porto alegre/salvador,1989
(publicados em "No assoalho duro")



nem a grande porém
ciumenta amiga
nem a mãe extremosa
nem salteadores emboscados
obstarão o precipitar-se
do enamorado
na direção daquela
que é a razão dos seus cuidados:

oito horas e meia de viagem
dentro de ônibus em noturna via
sem conseguir esboçar pose
ajustada à vinda do sono
onde deparar maior vassalagem?
mas a paga após todo transe
(rapadura de cereais cobertor
curto e-mails) vivido nesta morte
de aquém-núpcias será
a carnação do seu sorriso
vertendo revérberos de vinho
na ânfora dos meus beiços

(Poema publicado por Ronald Augusto em POESIACOISANHEMUMA http://poesiacoisanenhuma.blogspot.com/
20/12/2010).



Homenagem por Adriandos Delima

Ω

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