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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Seleção de "Os Poemas de amor de Marichiko", Kenneth Rexroth. Tradução Adrian'dos Delima.



Lua desvenda lugar secreto


       Dos 'Poemas de amor de Marichiko'

                                 Love poems of Marichiko

 

                            Kenneth Rexroth

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I.
Eu sento em minha escrivaninha.
O que posso te escrever?
Doente com o amor,
Estou ansiada por te ver de frente.
Eu consigo escrever somente,

“Te amo. Te amo. Te amo.”
O amor corta fundo o meu coração
E rasga minhas vísceras.
As contrações do desejo me sufocam
E parecem não querer parar.

II.
Se eu penso que poderia ir-me
E chegar aonde estás,
Dez mil milhas poderiam ser como uma só.
Mas estamos ambos na mesma cidade
E não ouso te ver,
E a milha é mais longa que o milhão de milhas.

IV.
Queres saber no que eu pensava
Antes de sermos um um par.
A resposta é simples.
Antes de nos reunirmos
Eu não tinha alguma coisa em que pensar.

VII.
Amar com você
É como beber água do mar.
Mais bebo
Mais fico sedenta,
Até nenhuma água saciar minha sede,                
Somente beber o mar inteiro.

X.
A geada cobre os juncos do banhado.
Uma névoa leve sopra entre eles,
Estalando as folhas compridas.
Meu coração preenchido pulsa com beatitude.

XII.
Vem pra mim, como sempre
Quietamente ao leito rosa do carvão 
Na minha lareira
Que incandesce além do biombo na noite da floresta.

XIII.
Jazendo na grama, campo aberto para ti
Sob a luz do meio-dia,
Uma névoa escura cobre em parte
Minhas pétalas de rosa.

XV.
Porque eu sonho
Contigo a cada noite,
Meus dias sós
São só de sonho


XVI.
Calcinada pelo amor, a cigarra
Grita em surto. Em silêncio como o vaga-lume,
Minha carne toda incendeia do amor.

XXVIII.
A primavera este ano é mais cedo.
Loureiros, pés de pêssego, ameixa,
Amêndoa, mimosa,
Tudo floresce de súbito. Sob a
Lua, a noite cheira como o teu corpo.

XXXI.
Algum dia em seis polegadas de
Cinzas vai estar tudo
Que sobrou de nossas mentes passionais,
De todo o mundo criado
Pelo nosso amor, sua origem
E passagem daqui.


XXXIII.
Eu não consigo esquecer
O anoitecer perfumado dentro da
Minha tenda de pêlos pretos,
Quando nós acordamos para fazer amor
Depois de uma longa noite de amor.


XXXIV.
A cada manhã, eu
Acordo só, sonhando que meu
Braço é tua doce polpa
Pressionando os meus lábios.

XXXVIII.
Eu esperei toda a noite.
Pela meia-noite eu pegava fogo.
Ao amanhecer, esperando
Achar um sonho teu,
Eu pousei a cabeça exausta
Nos braços em cruz,
Mas as canções de despertar
Dos pássaros me atormentaram.

XLIII.
Duas flores em uma carta.
A lua mergulha na distância entre as montanhas.
O orvalho ensopa as folhas dos bambus.
Eu espero.
Grilos cantam toda a noite no pinheiro.
À meia-noite soa o sino do templo.
Gansos selvagens gritam acima das cabeças.
Isso apenas.

XLIV. 
O desalinho do meu cabelo
É feito pelo meu insone travesseiro sozinho.
Meus olhos ensombrados e as covas das faces
São tuas falhas.                   

XLV.
Quando no teatro Noh
Nós assistimos Shizuka Gozen
Aprisionado pela neve,
Apreciei a trajédia,
Por eu pensar:
Nada parecido com isto
Jamais vai se passar comigo.

LV. 
A noite é demasiado longa para a insônia.
A estrada é demasiado longa para o que tem os pés feridos.
A vida é demasiado longa para uma mulher
Transformada em  louca pela paixão.
Por que eu acho sinais enganosos
No retorcido caminho do amor?

LVI.
Esta carne que costumas amar
É frágil, oscila por natureza
Como nau sem norte.
Os fogos da pesca com aves
Tremem na noite.
Meu coração pisca com esta agonia.
Entendes?
Minha vida se extingue.
Entendes?
Minha vida.
Desvanecendo como as estacas
Que seguram as redes contra a corrente
No Rio Uji.

LVII.
Noite sem fim. Solidão.
O vento traz uma folha de bordo
Contra a porta de papel translúcido.
Eu espero, como nos velhos dias,
No nosso lugar secreto, sob a lua cheia.
Os últimos grilos-de-sininhos cantam.
Eu achei tuas antigas cartas de amor,
Repletas de poemas que nunca tornaste públicos.
E importaria a alguém?
Eles foram somente para mim.

LVIII.
No meio de um sonho
Eu me torno consciente
De que as vozes dos grilos
Brotam debilmente no outono que envelhece.
Estou de luto por este solitário
Ano que está passando.
E minha própria natureza
Brota débil e esmorece ao longe.


LX.
Gelada dos pés á cabeça, eu levanto
Com a primeira luz. Do outro lado da minha janela
Uma folha de bordo vermelha plana silenciosa para o chão.
Em que eu começo a acreditar?
Indiferença?
Malícia?
Eu detesto a vista do dia que chega
Desde a manhã em que
Teu olhar inerte passou para mim o seu gelo
Como a pálida lua no amanhecer.


Kenneth Rexroth
                                     Tradução Adrian'dos Delima


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The Love Poems of Marichiko

I

I sit at my desk.
What can I write to you?
Sick with love,
I long to see you in the flesh.
I can write only,
“I love you.  I love you.  I love you.”
Love cuts through my heart
And tears my vitals.
Spasms of longing suffocate me
And will not stop.

 
II

If I thought I could get away
  And come to you,
  Ten thousand miles would be like one mile.
  But we are both in the same city
  And I dare not see you,
  And a mile is longer than a million miles.


IV

You ask me what I thought about
  Before we were lovers.
  The answer is easy.
  Before I met you
  I didn't have anything to think about.


VII

Making love with you
Is like drinking sea water.
The more I drink
The thirstier I become,
Until nothing can slake my thirst
But to drink the entire sea.


X

Frost covers the reeds of the marsh.
A fine haze blows through them,
Crackling the long leaves.
My full heart throbs with bliss.
 

XII

Come to me, as you come
Softly to the rose bed of coals
Of my fireplace
Glowing through the night-bound forest.


XIII

Lying in the meadow, open to you
Under the noon sun
Hazy smoke half hides
My rose petals.

 
XV

Because I dream
Of you every night,
My lonely days
Are only dreams.

  

XVI

Scorched with love, the cicada
  Cries out. Silent as the firefly,
  My flesh is consumed with love.

 
XXVIII

Spring is early this year.
Laurel, plums, peaches,
Almonds, mimosa,
All bloom at once.  Under the
Moon, night smells like your body.



XXXIII

I cannot forget
The perfumed dusk inside the
Tent of my black hair
As we awoke to make love
After a long night of love.



XXXIV

Every morning, I
Wake alone, dreaming my
Arm is your sweet flesh
Pressing my lips.

XXXI

Some day in six inches of                   
Ashes will be all
That's left of our passionate minds,
Of all the world created
By our love, its origin
And passing away.

 
XXXIV

Every morning, I
Wake alone, dreaming my
Arm is your sweet flesh
Pressing my lips.


XXXVIII

I waited all night.
By midnight I was on fire.
In the dawn, hoping
To find a dream of you,
I laid my weary head
On my folded arms,
But the songs of the waking
Birds tormented me.



XXLV

   The disorder of my hair
   Is due to my lonely sleepless pillow.
   My hollow eyes and gaunt cheeks
   Are your fault.


XLIII

Two flowers in a letter.
   The moon sinks into the far off hills.
   Dew drenches the bamboo grass.
   I wait.
   Crickets sing all night in the pine tree.
   At midnight the temple bells ring.
   Wild geese cry overhead.
   Nothing else.

 
LV

The night is too long to the sleepless. 
The road is too long to the footsore. 
Life is too long to a woman 
Made foolish by passion. 
Why did I find a crooked guide 
On the twisted paths of love? 

 
XLV

When in the Noh theater
We watched Shizuka Gozen
Trapped in the snow,
I enjoyed the tragedy,
For I thought,
Nothing like this
Will ever happen to me.

 
LVII

Night without end. Loneliness.
The wind had driven a maple leaf
Against the shoji. I wait, as in the old days,
In our secret place, under the full moon.
The last bell crickets sing.
I found your old love letters,
Full of poems you never published.
Did it matter? They were only for me.


LVIII

Half in a dream
I become aware
That the voices of the crickets
Grow faint with the growing Autumn
I mourn for this lonely
Year that is passing
And my own being
Grows fainter and fades away.


LX 

Chilled through, I wake up
With the first light. Outside my window
A red maple leaf floats silently down.
What am I to believe?
Indifference?
Malice?
I hate the sight of coming day
Since that morning when
Your insensitive gaze turned me to ice
Like the pale moon in the dawn.





Keneth Rexroth


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Notas: 

* O livro

No livro de 1978, escrito em duas versões, em japonês e em inglês, Rexroth apresenta 
Marichiko assim "Marichiko is the pen name of a contemporary young woman who lives near 
the temple of Marishi-ben in Kyoto." Ela é, no entanto, um personagem criado pelo poeta 
estadunidense, que redigiu a versão dos poemas em duas línguas, inglês e japonês.

*Poema LVI

"pesca com cormorões" traduzido por "pesca com aves":  Corvo-marinho, biguá (Brasil), 
calilanga, galheta, induro ou cormorão designação vernácula (do inglês cormorant), é a designação de diversas aves marinhas Pelecaniformes da família Phalacrocoracidae. O grupo tem cerca de 30 espécies, pertencentes ao género Phalacrocorax." "No Japão e China, é tradicional o uso de corvos-marinhos na pesca artesanal, de uma forma análoga à caça com falcões desenvolvida na Europa da Idade Média."(Wikipédia).
O kanji para esta ave ou para o tipo mais comum deste grupo de aves no Japão é .

*Poema LVII  

Shoji, traduzido por  "porta de papel translúcido": porta corrediça  ou biombo,
normalmente, ou tradicionalmente, feita de papel de arroz, portanto, transparente.  
A palavra também significa corrigir ou brilhante.

Bordo é a Acer palmatum (ou Bordo japonês), uma espécia de bordo, ávore nativa ao Japão,
Coréia do Sul e à China. "A coloração das suas folhas sofre alterações bastante intensas ao
longo das estações do ano, variando desde verde vivo, passando por amarelo e chegando a vermelho intenso antes da queda da folha no outono."(Wikipédia)